quinta-feira, 13 de março de 2014

O MITO DA ONIPOTÊNCIA DA AGÊNCIA DE SEGURANÇA NACIONAL DOS EUA




A NSA e o mito da onipotência

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

"A crise na Ucrânia e o escândalo desencadeado por Snowden se desenvolvem de maneira absolutamente paralela. Ambos se intensificaram bastante nos últimos dias, mas a imprensa trata os dois assuntos como se eles pertencessem a diferentes fronts. Ainda não perceberam que as duas coisas podem estar ligadas. E para demonstrar isto só precisamos recorrer à lógica.

Desde os tempos da Guerra Fria, a NSA monitorava as ameaças externas aos EUA, reais ou potenciais, dando especial atenção aos russos e chineses. Os norte-coreanos, iranianos, iraquianos e cubanos também estavam sob o foco de atenção daquela agência de inteligência. 


A crise desencadeada por Snowden não diz respeito ao tradicional trabalho de coleta de inteligência feito pela NSA, mas ao desvirtuamento dos objetivos da mesma para incluir no cardápio da agência a coleta massiva de informações telefônicas de norte-americanos, bem como o armazenamento de dados das atividades on line de bilhões de pessoas que acessam diariamente a internet usando provedores, programas, websites e ferramentas de busca "made in USA".

Devemos supor que, mesmo durante a realização desse ambicioso programa de espionagem massiva, a NSA não deixou de cumprir sua missão original, qual seja: vigiar os países que representem uma ameaça para EUA (Rússia e China). O aumento de atividades norte-americanas na Ucrânia que levou à derrubada do governo pró-russo nos obriga a suspeitar que a NSA vinha fuçando ou tentando fuçar os computadores de políticos e militares russos. Nada vazou sobre esse assunto sensível, mas algumas suposições podem ser feitas.

A primeira hipótese é de que, com base em informações coletadas, a NSA tenha tido conhecimento prévio de que Rússia enviaria tropas para a Crimeia se o governo de Kiev caísse. Esse fato, aliás, era bastante previsível já que a população da região fala russo e mantém ligações culturais com a "mãe Rússia". Outra hipótese provável é que a NSA não tenha conseguido furar os sistemas de segurança adotados pelos especialistas em TI a serviço dos governantes e militares russos, deixando a Casa Branca sem estimativas confiáveis sobre a linha de ação russa em caso de reviravoltas em Kiev.

Nos dois casos, evidencia-se a fragilidade da NSA. É fato: os norte-americanos viram impotentes os russos deslocarem em boa ordem e com eficiência suas tropas para dentro da Crimeia. Portanto, caso a NSA tenha furtado informações sigilosas sobre a invasão da Crimeia, o governo dos EUA não pode utilizá-las para impedir a ousada ação decidida pelo Kremlin. Caso não tenha obtido nenhuma informação prévia dos planos russos, evidencia-se a ineficácia da NSA, não se justificando o custo que ela representa para os contribuintes norte-americanos.

A argumentação lógica, porém, deve ceder espaço a um fato curioso. No mesmo dia em que os helicópteros russos começaram a atravessar a fronteira em direção a Crimeia, vários vídeos feitos por amadores começaram a pipocar na internet. Com tanta informação fornecida gratuitamente e em tempo real por ucranianos qual seria a necessidade de os EUA gastarem bilhões de dólares para manter a NSA? Informações compradas ou roubadas de um governo estrangeiros nem sempre são confiáveis. E nesse caso em particular, qualquer informação ou desinformação prévia foi superada em razão da ampla circulação gratuita de informações prestadas pelas pessoas que estavam in loco durante a operação militar russa.

Os impérios sobrevivem em razão de seus mitos. O caso do império português não foi diferente. Antes da "Revolução dos Cravos" a DGS (que se chamava PIDE até 1969), a odiada e temida polícia secreta do regime salazarista, era considerada onipresente e onipotente. Suas redes de informantes cobriam toda metrópole e território ultramarino. Os métodos que a DGS utilizava para investigar suspeitos de crimes políticos incluíam as costumeiras invasões sorrateiras de domicílios, infiltração de agentes em sindicatos, empresas e associações civis, violação de correspondência, escutas telefônicas, torturas etc... Os agentes da DGS só não utilizavam computadores pessoais, internet e programas sorrateiros porque nada disso existia naquela época.

Apesar de toda sua estrutura e organização, a DGS, entretanto, não foi capaz de prever e impedir a ação dos militares portugueses antes da "Revolução dos Cravos". Nem tampouco foi capaz de impedir o sucesso do movimento, que no mesmo dia passou a contar com amplo apoio popular. Cercados na sua sede, uns poucos agentes da DGS tentaram inutilmente resistir e foram rapidamente derrotados com pouquíssimas baixas. A verdade é que, apesar de ostentar sua onipresença e onipotência, a DGS era incapaz de mensurar sua própria fragilidade. O mesmo ocorreu com a NSA, que teve informações secretas e ultrassecretas roubadas por um agente e vazadas amplamente na imprensa.

Após estudar durante algum tempo a "Revolução dos Cravos", publiquei, em 24/03/2009 - portanto, muito antes da explosão do escândalo Snowden - um texto bastante provocativo no "Observatório da Imprensa". Tomo a liberdade de reproduzí-lo aqui:

"Semana passada, imprensa noticiou com grande destaque que Obama, presidente dos EUA, anunciou a redução do déficit público. Os jornalistas não perceberam, entretanto, que Obama oscila entre salvar os EUA e preservar o império, duas coisas incompatíveis.

Penso que os jornalistas (e os americanos também) deveriam estudar um pouco mais a história recente de Portugal. Enquanto tentaram manter o império, os portugueses afundaram política e economicamente.

Serão espertos?

Quando perceberam que o império era incompatível com a nova realidade portuguesa, nossos pequeninos irmãos europeus se livraram das despesas militares para preservar um império roto e passaram a ter maior qualidade de vida em casa. A decisão tomada pela "Revolução dos Cravos" se mostrou tão acertada que, duas décadas depois, os portugueses deixaram de emigrar para o Brasil (agora são os brasileiros que emigram para Portugal).

A solução para os EUA é apenas uma: fechar as mais de 600 bases militares e reduzir a 1/20 as despesas com os contratos de fornecimento das fábricas de armamentos.

Cabe aos jornalistas investigar se os americanos serão tão espertos quanto os portugueses.
"

(http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/uma_revolucao_dos_cravos_nos_eua)

Meu texto passou despercebido e apenas duas pessoas postaram comentário no O.I. . Para falar a verdade, eu mesmo o havia esquecido até topar hoje com esta notícia: http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2014-03-11/senadora-dos-eua-acusa-cia-de-hackear-investigacao-do-congresso.html .

Por força do hábito comecei a divagar sobre a suposta onipresença e onipotência da NSA e fui expandido minhas cogitações até a eventual ação da agência antes da invasão da Crimeia pelos russos. Foi então que um estalo me fez comparar as desventuras da DGS com a situação atual da NSA. E isso me fez lembrar daquele pequeno texto publicado no "Observatório da Imprensa".

As contradições do império português e a fragilidade da DGS afloraram durante a Guerra Colonial africana que esgotou Portugal humana e economicamente. Os políticos portugueses que comandavam o império não perceberam que o mundo sob seus pés havia ruído. E o massivo apoio popular ao movimento dos capitãs do MFA apenas consolidou um fato que já estava consumado: o império português chegara ao fim.

As contradições do império norte-americano e a fragilidade da NSA afloram exatamente neste momento em que os EUA estão mergulhados numa crise econômica mal resolvida, atolados em campanhas militares que produzem benefícios duvidosos e preparando-se para a guerra temerária contra a Rússia por causa do controle ucraniano da Crimeia.

Semana passada, quase todos os membros da OEA votaram contra uma intervenção militar norte-americana na Venezuela. Essa derrota diplomática consolida um fato consumado: os norte-americanos não podem mais tratar a América Latina como seu quintal. Apesar da derrota na OEA, os EUA parecem inclinados a confrontar os russos por causa de objetivos que não me parecem nem mesmo racionais. Os fatos, entretanto, não estão aí para serem ignorados. Nos últimos dias, a Casa Branca subiu o tom, fez ameaças de sanções unilaterais contra a Rússia e até enviou alguns barcos e aviões militares para a região conflituosa.

Para mim, é difícil dizer se o império americano chegou ou não ao fim. A verdade é que não disponho de dados para fazer previsões confiáveis. E mesmo que dispusesse de dados, tomaria cuidado, pois a atividade de historiador do futuro geralmente é bastante ingrata. Mas confesso que continuo tentado, em parte por pura troça, a comparar a situação de Portugal em 1974 e a dos EUA no presente.

Os portugueses foram civilizados e inteligentes o suficiente para enterrar seu império falecido sem maiores danos colaterais.E os norte-americanos? O que eles farão agora que o império deles parece começar a ruir sob os pés dos poderosos políticos que dão as cartas em Washington?"


FONTE: escrito por Fábio de Oliveira Ribeiro e postado no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/a-nsa-e-o-mito-da-onipotencia).

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