quarta-feira, 11 de março de 2015

PARAÍSOS FISCAIS - O PREÇO QUE AS DEMOCRACIAS PAGAM





Paraísos fiscais - O preço que as democracias pagam


"A fraude do HSBC vem sendo encoberta pela imprensa brasileira. Provavelmente, para proteger políticos, empresários e os próprios barões da mídia.

Por Leneide Duarte-Plon, de Paris

O furo internacional que o "Le Monde" (associado a jornais de outros países) deu sobre a evasão fiscal de pessoas físicas do mundo inteiro, organizada pelo banco HSBC na Suíça, tem a perfeita contrapartida no magistral documentário "Le prix à payer", do canadense Harold Crooks, em exibição em Paris. 

Infelizmente, como era de se esperar, a fraude de milionários brasileiros com contas no HSBC vem sendo sistematicamente encoberta pela imprensa nativa. Provavelmente, para proteger políticos, empresários e, quem sabe, os próprios barões da imprensa.

"Le prix à payer" mostra como o dinheiro das grandes empresas multinacionais se desloca de um continente a outro, num mundo paralelo, sem domicílio fixo. Essas megaempresas são mais poderosas que muitos Estados. A tese do filme é clara: a evasão dos impostos priva o Estado-providência dos recursos que o financiam e abala os fundamentos da democracia.

O documentário explica a gênese dos paraísos fiscais no mundo, a partir da história da City de Londres, e revela que, em 2010, havia de 21 a 32 trilhões de dólares do patrimônio mundial escondidos em diversos paraísos fiscais. O que representa de 10 a 15% do patrimônio financeiro mundial. E se o preço a pagar fosse a morte das democracias?, interroga-se o cineasta.

Montado com entrevistas de economistas – entre eles Thomas Piketty e Paul Krugman – além de estudiosos do assunto como a economista e socióloga Saskia Sassen, professora da Universidade de Columbia, o filme é uma aula de como funciona o opaco sistema financeiro internacional e seus paraísos fiscais, concebidos para proteger fortunas de particulares e de grandes grupos industriais, na ginástica para escapar ao fisco. O filme vai à gênese dos paraísos da finança offshore que se originaram da City de Londres e se formaram em antigas colônias do império britânico como Jersey, Ilha de Man, Gernesey e Ilhas Caimans. Para Saskia Sassen, o contrato social foi rompido e a idade de ouro do Estado providência terminou. As imagens de algumas cidades americanas atestam a profundidade da crise financeira que se instalou em 2008: famílias expulsas de suas casas, bairros inteiros abandonados, casas fechadas se deteriorando.

Mas o filme mostra também os povos despertando e manifestando em diversas capitais do mundo como no "Occupy Wall Street" e no "movimento dos Indignados", na Espanha.

Algumas das cenas mais impressionantes do documentário mostram executivos de grandes empresas - como Apple, Google ou Amazon – sendo interrogados por parlamentares, numa comissão parlamentar inglesa e noutra americana. Matt Brittin vice-presidente da Google no Reino Unido, em determinado momento tenta justificar a soma ridiculamente baixa de imposto pago na Inglaterra (o resto do lucro fabuloso fica protegido em um paraíso fiscal) dizendo que fizeram o que a lei permite. A presidente da Comissão parlamentar, Margareth Hodge, lhe responde que o que fizeram “pode não ser ilegal, mas é imoral.”
O problema é que as multinacionais não têm nenhum compromisso com a moralidade. A lógica que as move é o lucro e os dividendos que devem ser pagos aos acionistas. E quanto mais dividendos, melhor. Harold Crooks propõe como solução uma cooperação internacional para preservar os Estados democráticos da monumental evasão de recursos que deveriam ser empregados para o bem de todos em saúde, pesquisa, transportes, educação e cultura, além da defesa estratégica. Quando o rombo chega ao nível que o filme mostra, é o próprio Estado democrático que corre risco.

Questionado por um deputado trabalhista, um executivo do banco Barclays se mostra incapaz de dizer quantas filiais seu banco tem nesses paraísos fiscais. O deputado refresca sua memória: são 300 filiais. Em Washington, diante da Comissão de Inquérito do Senado, vemos um senador democrata interrogar um responsável da Apple que teve um lucro de 180 bilhões de dólares e não tem domicílio fiscal em lugar nenhum.

O filme teve como co-roteirista a jornalista canadense Brigitte Alepin, cujo livro "La Crise fiscale qui vient" (A crise fiscal que está chegando), serviu como fio condutor do documentário. Ela compara a situação atual diante dos impostos com a do povo ("le tiers État") antes da Revolução Francesa. O peso dos impostos repousava sobre os menos afortunados. Ela compara as multinacionais de hoje com a nobreza pré-Revolução, que não pagava impostos.

Segundo a ONG Oxfam, em 2016, o 1% de pessoas mais ricas possuirá patrimônio acumulado maior que os 99% restantes. O filme tem, ainda, o mérito de mostrar muitos ex-insiders denunciando a iniquidade do sistema internacional que promove a evasão fiscal."


FONTE: escrito por Leneide Duarte-Plon, de Paris. Publicado no portal "Carta Maior"  (http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Paraisos-fiscais-O-preco-que-as-democracias-pagam/7/33015).

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