sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Do New York Times: "OS EUA SÃO O MAIOR ESTADO TERRORISTA DO PLANETA"



Noam Chomsky 


Noam Chomsky: "Os EUA são o maior estado terrorista do planeta"



Por Noam Chomsky, no "New York Times", com o título "Official: The US is a Leading Terrorist State". Transcrito no "Telesur", da Venezuela, traduzido para o português pelo "pessoal da Vila Vudu" e postado no "Redecastorphoto"

Deu no "New York Times"! Agora é oficial!

"Imaginem que o Pravda publicasse na primeira página os resultados de um estudo feito pela KGB que tivesse avaliado os resultados de todas as grandes operações terroristas que o Kremlin tivesse comandado ao redor do mundo, como parte do esforço para descobrir o que levou cada “ação” dessas ao sucesso ou ao fracasso, e estudo que, no final, concluísse que, desgraçadamente, atos terroristas raramente “dão certo” e de tal modo tendem a “dar errado” que, hoje, seria muito mais recomendável [o Kremlin recomendando!] repensar a política e as vias políticas, em vez de fazer terrorismo.

Imaginem também que o artigo citasse o presidente Putin, o qual dissesse que havia encomendado esse estudo à KGB para descobrir casos de “financiamento e apoio com armas e munição a insurgentes ativos dentro de país estrangeiro e que tivessem realmente dado certo. E a KGB [Putin falando] não conseguiu encontrar grande coisa. E que, por isso [Putin] relutava um pouco em repetir novos esforços terroristas.


Se – embora seja quase inimaginável – artigo desse tipo aparecesse publicado na imprensa, se ouviriam muitos gritos de ultraje e indignação que clamariam aos céus; e a Rússia seria amargamente criticada, condenada (e até coisa pior!) não só pelo terrível currículo como terrorista ativíssimo, afinal abertamente confessado, mas, também, por a classe política russa não mostrar nenhuma preocupação e nenhuma indignação, exceto pelo fato de o terrorismo de estado russo funcionar muito mal, e para ordenar que as práticas terroristas fossem aprimoradas.

Tudo isso é muito difícil de imaginar. Artigo desse tipo nunca seria publicado. O problema é que o tal artigo existe e foi publicado. De diferente, só um pequeno detalhe: apareceu publicado no "New York Times" – e é quase exatamente o tal artigo impossível.

 

Cabeçalho da reportagem do NYT 

Dia 14/10/2014, a matéria de primeira página do "New York Times" tratava de um estudo feito pela CIA em que a Agência examina as principais ações terroristas comandadas pela Casa Branca em todo o mundo, num esforço para conhecer os fatores que levaram cada ação terrorista ao sucesso ou ao fracasso; e a CIA concluiu que, desgraçadamente, atos terroristas raramente “dão certo” e de tal modo tendem a “dar errado” que, hoje, seria indispensável repensar a política e as vias políticas, em vez de fazer terrorismo.

E o artigo cita o presidente Obama, o qual diz que ele havia encomendado esse estudo à CIA para descobrir casos de “financiamento e apoio com armas e munição a insurgentes ativos dentro de país estrangeiro e que tivessem realmente dado certo. E a CIA [é Obama falando] não conseguiu encontrar grande coisa”. E que, por isso [Obama] relutava um pouco em repetir novos esforços terroristas.

Não se ouviu nenhum grito de ultraje; indignação zero, nada.

A conclusão é clara. Na cultura política ocidental, dá-se por natural e adequado que o Líder do Mundo Livre governe um estado-bandido terrorista e pode proclamar abertamente sua eminente liderança na prática de tais crimes. E dá-se por perfeitamente natural e adequado que o professor de Direito Constitucional e laureado com o Prêmio Nobel da Paz que tem as rédeas do poder só se deva preocupar com praticar com mais eficácia o mesmo velho terrorismo de sempre.

Basta examinar mais de perto, para ter certeza que as conclusões a extrair são exatamente essas.

O artigo começa citando abertamente as operações [terroristas] dos EUA “de Angola à Nicarágua e a Cuba”. Acrescentemos um pouco do que o jornal omitiu.


Jonas Savimbi

Em Angola, os EUA uniram-se à África do Sul no apoio crucial ao UNITA, exército do terrorista Jonas Savimbi, e continuaram a apoiar aqueles terroristas mesmo depois de Savimbi já ter sido completamente derrotado numa eleição livre e cuidadosamente fiscalizada e até depois de a própria África do Sul já ter deixado de apoiar aquele “monstro cuja ânsia de poder trouxe terrível miséria para seu próprio povo” – nas palavras do embaixador britânico em Angola, Marrack Goulding, secundado pelo chefe da estação da CIA na vizinha Kinshasa, o qual já alertara que “não foi boa ideia” apoiar o citado monstro, “por causa da extensão dos crimes de Savimbi. Era homem terrivelmente brutal”.

Apesar das operações terroristas extensivas e violentíssimas apoiadas pelos EUA em Angola, forças cubanas conseguiram expulsar do país os agressores sul-africanos, os obrigaram a deixar também a Namíbia que ocupavam ilegalmente, e abriram caminho para a eleição em Angola na qual, depois de derrotado, Savimbi “desconsiderou completamente a avaliação feita por quase 800 observadores estrangeiros que acompanharam as eleições, para os quais as eleições haviam sido livres e justas” (New York Times), e continuou a sua guerra terrorista com o apoio dos EUA.

Os feitos heroicos dos cubanos na libertação da África e no fim do apartheid foram saudados por Nelson Mandela, quando afinal deixou a prisão. Dentre seus primeiros atos, Mandela declarou que:

"(...) durante todos os meus anos de prisão, Cuba foi uma inspiração, e Fidel Castro uma torre de fortaleza (...) [As vitórias cubanas] destruíram o mito da invencibilidade do opressor branco e inspiraram as lutas de massas da África do Sul (...) ponto de virada para a libertação de nosso continente – e do meu povo – do flagelo do apartheid. (...) Que outro país pode apresentar histórico de mais desapego e desprendimento que Cuba, em suas relações com a África?


Henry Kissinger

Bem diferente disso, o comandante terrorista Henry Kissinger ficou “apoplético” ante a insubordinação do “pipsqueak” [nulidade; zé-ninguém; meia-leca] Castro, que tinha de ser “esmagado”, como registram William Leogrande e Peter Kornbluh em seu livro "Back Channel to Cuba", a partir de documentos recentementes liberados para conhecimento público.


Voltando à Nicarágua, é preciso não esquecer a guerra terrorista de Reagan, que prosseguiu ainda bem depois de a Corte Internacional de Justiça ter ordenado a Washington que cessasse seu “uso ilegal da força” – quer dizer: terrorismo internacional – e pagasse reparação substancial, e depois de já haver projeto de resolução do Conselho de Segurança da ONU conclamando todos os estados (de fato, só os EUA) a respeitar a lei internacional, que foi vetada por Washington.

Mas é preciso reconhecer que a guerra terrorista de Reagan contra a Nicarágua – à qual Bush-pai, “o Bush estadista” – não foi tão destrutiva quando o terrorismo de estado que o mesmo Reagan patrocinara entusiasticamente em El Salvador e na Guatemala. A Nicarágua teve a vantagem de contar com um exército para enfrentar as forças terroristas comandadas pelos EUA, enquanto nos países vizinhos os terroristas que assaltavam a população eram as forças de segurança armadas e treinadas por Washington.

Em algumas semanas estaremos comemorando o Grand Finale das guerras terroristas de Washington na América Latina: o assassinato de seis importantes intelectuais latino-americanos, sacerdotes jesuítas, por uma unidade terrorista de elite do exército salvadorenho, o "Batalhão Atlacatl", armado e treinado por Washington, agindo sob ordens explícitas do Alto Comando, e com longo currículo de massacres das vítimas de sempre.


"Atlacatl Battalion", armado e treinado pelos EUA

Esse crime chocante, cometido dia 16/11/1989, na Universidade Jesuíta em San Salvador foi o ápice da terrível praga terrorista que se espalhou pelo continente depois que John F. Kennedy mudou a missão dos militares latino-americanos, de “defesa hemisférica” – relíquia já ultrapassada da IIª Guerra Mundial – para “segurança interna”, o que significa: guerra contra a população doméstica, dentro de cada país.

Resultado disso aparece descrito sucintamente por Charles Maechling, que comandou o planejamento da contrainsurgência e defesa interna dos EUA, de 1961 a 1966. Ele fala da decisão de Kennedy, em 1962, como mudança de “tolerância com os roubos e a crueldade entre os militares latino-americanos”, para “cumplicidade direta” nos crimes dos mesmos militares, a ponto de os EUA garantirem apoio “aos métodos de Heinrich Himmler dos esquadrões-da-morte”.

Tudo isso está esquecido, exceto “o tipo certo de fatos”.


John Kennedy

Em Cuba, as operações terroristas de Washington foram lançadas a pleno furor pelo presidente Kennedy, para punir os cubanos por terem derrotado a invasão da Baía dos Porcos comandada pelos EUA. Como escreve o historiador Piero Gleijeses, JFK:

(...) ordenou a seu irmão, o advogado-geral Robert F. Kennedy (RFK), que comandasse o grupo de alto nível inter-agências que concebeu a "Operação Mongoose" [fuinha], um programa de operações paramilitares, guerra econômica e sabotagem, que ele lançou no final de 1961, para impor ‘os terrores da Terra’ a Fidel Castro, ou, dito mais prosaicamente, para derrubá-lo do governo.

A expressão “terrores da terra” é citada pelo historiador Arthur Schlesinger, sócio de RFK, na biografia semioficial que escreveu dele. RFK informou à CIA que o problema cubano passava a ser:

(...) "a principal prioridade do governo dos EUA – tudo o mais é secundário – e não se deve desviar nenhum minuto, nenhum esforço, nenhuma capacidade humana do esforço para derrubar o governo de Castro e levar “os terrores da Terra” a Cuba".


Robert Kennedy


A guerra terrorista lançada pelos irmãos Kennedy não foi coisa pequena. Envolveu 400 norte-americanos, 2 mil cubanos, uma esquadra privada de barcos rápidos e orçamento anual de US$ 50 milhões, controlado em parte por uma base da CIA que operava em Miami, em violação do Ato de Neutralidade e, presumivelmente, violando também a lei que proíbe operações da CIA dentro dos EUA. As operações incluíram bombardeamento de hotéis e instalações industriais, afundamento de barcos pesqueiros, envenenamento de rebanhos e de plantações, contaminação de estoques de açúcar exportados etc. Algumas dessas operações não foram especificamente autorizadas pela CIA, mas executadas pelas forças terroristas que a CIA fundara e financiava, diferença que nada significa no caso de ação contra inimigos oficiais.

As operações terroristas "Mongoose" foram comandadas pelo general Edward Lansdale, que tinha ampla experiência em operações terroristas comandadas pelos EUA nas Filipinas e no Vietnã. O trabalho da "Operation Mongoose"  era gerar “revolta aberta e derrubar o regime comunista” em outubro de 1962, o que, para “sucesso definitivo exigirá intervenção militar decisiva dos EUA”, depois que o terrorismo e a subversão tivessem preparado o terreno.

Outubro de 1962 é, claro, momento muito significativo na história moderna. Naquele mês, Nikita Khrushchev enviou mísseis para Cuba, desencadeando a crise dos mísseis que chegou ameaçadoramente perto de uma guerra nuclear terminal. Especialistas reconhecem hoje que Khrushchev foi motivado em parte pela imensa preponderância dos EUA em termos de força, depois que Kennedy respondeu aos seus pedidos para reduzirem as armas ofensivas, aumentando ainda mais a vantagem dos EUA, e em parte por preocupação de que os EUA pudessem invadir Cuba. Anos depois, o Secretário de Defesa de Kennedy, Robert McNamara, reconheceu que Cuba e Rússia tiveram razões para temer um ataque. “Se eu estivesse no lugar dos cubanos ou soviéticos, teria pensado como eles” – disse McNamara numa conferência internacional nos 40 anos da crise dos mísseis.


Raymond Garthoff

O muito respeitado analista político Raymond Garthoff, que teve muitos anos de experiência direta na inteligência dos EUA, relata que, nas semanas antes de a crise de outubro de 1962 eclodir, um grupo de cubanos terroristas que operavam da Flórida com autorização dos EUA executou (...) "um ousado ataque com barcos rápidos contra um hotel cubano próximo ao mar, nos arredores de Havana, onde se sabia que se reuniam técnicos militares soviéticos, matando grande número de russos e cubanos."

E pouco depois, continua Garthoff, as forças terroristas atacaram navios cargueiros britânicos e cubanos e outra vez invadiram Cuba, dentre outras ações cuja frequência aumentava no início de outubro. Num momento tenso da ainda não solucionada crise dos mísseis, dia 8 de novembro de 1962, uma equipe de terroristas enviada pelos EUA explodiu uma instalação industrial em Cuba, depois de as operações "Mongoose" já estarem oficialmente suspensas. Fidel Castro disse que 400 trabalhadores morreram nesse ataque, guiado por “fotografias feitas por aviões espiões”. Atentados para tentar assassinar Castro e outros ataques terroristas continuaram a acontecer imediatamente depois de a crise estar terminada, e escalaram novamente em anos posteriores.

Houve algumas poucas notícias de uma parte bem menor da guerra terrorista, muitos atentados para assassinar Castro, em geral deixadas rapidamente de lado como trapalhadas infantis da CIA. Além disso, nada do que aconteceu jamais atraiu muito interesse ou comentários nos EUA.



A primeira investigação séria, em idioma inglês, sobre o impacto daquelas ações sobre os cubanos foi publicada em 2010 pelo pesquisador canadense Keith Bolender, em seu Voices From The Other Side: An Oral History Of Terrorism Against Cuba, estudo valioso, largamente ignorado.

Os três exemplos considerados na matéria do "New York Times" sobre o terrorismo norte-americano são só a ponta do iceberg. Mesmo assim, é útil ver esse muito claro e significativo reconhecimento de o quanto Washington é dedicada a operações do terrorismo mais mortífero e destruidor, e do pouco, praticamente nada, que essa ação terrorista dos EUA significa para a classe política, que aceita como normal e adequado que os EUA se apresentem ante o mundo como superpotência terrorista, imune a leis e normas civilizadas.

Muito estranhamente, o mundo não pensa como a classe política norte-americana. Pesquisa internacional distribuída ano passado pelo "Worldwide Independent Network/Gallup International Association" (WIN/GIA) descobriu que os EUA ocupam o primeiro lugar, de longe, como “maior ameaça contra a paz mundial hoje”, muito à frente do Paquistão, segundo colocado (certamente inflado pelo voto dos indianos), e nenhum outro país sequer se aproxima desses dois.

Felizmente, os norte-americanos foram poupados, e não tiveram de tomar conhecimento dessa informação insignificante."


FONTE: escrito por Noam Chomsky, no "New York Times", com o título "Official: The US is a Leading Terrorist State". Transcrito no "Telesur", da Venezuela, traduzido para o português pelo "pessoal da Vila Vudu" e postado por Castor Filho no seu blog "Redecastorphoto"   (http://redecastorphoto.blogspot.com.tr/2014/10/noam-chomsky-os-eua-sao-o-maior-estado.html).
O autor, 
Noam Chomsky, (Avram Noam Chomsky, Filadélfia, 7 de dezembro de 1928) é linguista, filósofo e ativista político estadunidense. É professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Seu nome está associado à criação da gramática ge(ne)rativa transformacional. É também o autor de trabalhos fundamentais sobre as propriedades matemáticas das linguagens formais, sendo o seu nome associado à chamada "Hierarquia de Chomsky". Seus trabalhos, combinando uma abordagem matemática dos fenômenos da linguagem com uma crítica do behaviorismo, nos quais a linguagem é conceituada como uma propriedade inata do cérebro/mente humanos, contribuem decisivamente para a formação da psicologia cognitiva, no domínio das ciências humanas. Além da sua investigação e ensino no âmbito da linguística, Chomsky é também conhecido pelas suas posições políticas e pela sua crítica da política externa dos Estados Unidos. Chomsky descreve-se como um socialista libertário, havendo quem o associe ao anarcossindicalismo. Seu mais recente livro é "Power Systems: Conversations on Global Democratic Uprisings and the New Challenges to U.S. Empire".

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