sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O BRASIL CABE EM SEU PIB




Ao contrário do que diz Giannetti, o Brasil cabe em seu PIB, afirma André P. Cordeiro 

Mais uma turma criadora de dificuldades inexistentes na economia (para vender facilidades que só eles têm)

Por André Passos Cordeiro* (
no "Sul 21" (Enviado por Luiz Mello)

Recentemente, em um evento da "consultoria Empiricus" (olha a turma aí novamente…), um famoso economista brasileiro, também filósofo, atualmente assessor da campanha do PSB (Eduardo Campos e depois Marina Silva) à presidência da República, de nome Eduardo Giannetti da Fonseca, afirmou que o “Estado Brasileiro não cabe no PIB” (declaração ao Jornal Valor Econômico, de 18/08/2014). Frase boa, daquelas que parece se comprovar pela própria força. Só que não. Por que não?

O Brasil terá em 2014, segundo as projeções do FMI, um PIB de 2,2 trilhões de dólares e um gasto público que corresponde a 40% deste. Vejamos o quanto gastam os Estados Nacionais com PIB semelhante ao Brasil, para ver se estamos no desvio do padrão. Os dados que serão apresentados a seguir são todos resultantes de projeções para 2014 do FMI. Comecemos com os países de PIB mais próximo ao nosso. Digamos no máximo módicos cem bilhõezinhos de dólares abaixo (não há países com a mesma diferença para cima):

Grupo 1

País/PIB/Despesa Pública/PIB (%)

Brasil 2.215.953/40

Itália 2.171.482/51

Rússia 2.092.205/38

Alguma conclusão? Sim, ou gastam bem mais ou estão bem pertinho do Brasil. Bem, não vamos nos apressar, afinal a amostra é pequena. Embora já maior do que a do professor Giannetti, pois ele não apresentou nenhuma. E as companhias talvez possam ter seu caráter questionado: Rússia, Itália; governos, assim, meio “complicados”… Não acho que isso os desqualifique, mas sempre pode ser uma alegação, não é mesmo? 

Mas sejamos generosos, ou cuidadosos (sei lá…): aumentemos mais uma camada no círculo de proximidade, para expandir a amostra e dar mais uma chance à “tese” do “fat brazilian state”. Fat, not fast. Vamos considerar os países com PIB um “pouco” mais abaixo ou “levemente” acima da faixa brasileira. Ponho assim entre aspas porque, depois de Itália e Rússia, os países mais próximos estão a uma distância não tão pequena em relação ao Brasil: coisa de 450 a 800 bilhões de dólares abaixo e 600 bilhões de dólares acima. Comecemos pelos acima:

Grupo 2

País PIB/ Despesa Pública/PIB (%)

França 2.885.692/57

Reino Unido 2.827.514/42

Agora os abaixo:

Grupo 3

País PIB/ Despesa Pública/PIB (%)

Índia 1.995.776/ 27

Canadá 1.768.968/ 44

Austrália 1.435.830/ 37

Espanha 1.415.304/ 45

Pronto, agora temos Estados Nacionais mais “respeitáveis”, “pretinhos básicos” por assim dizer. Afinal, nessa amostra temos Canadá e Austrália, por exemplo. Acho que ninguém vai dizer que os corpos estatais desses países são maiores que suas roupas… Mas embora os corpos sejam de tamanho semelhante, as roupas são de números distintos. Pois é, não tem um número só. 

Então vamos tentar outra estratégia: trazer de volta à cena o grupo 1, juntá-lo aos grupos 2 e 3, e tentar de estabelecer uma faixa “normal”. Acho que poderíamos dizer, sem desconforto (não resisti…), que à exceção de Austrália, Rússia e Índia, todos gastam acima de 40% do PIB com suas máquinas públicas. E, ainda, que Rússia e Austrália não estão nada distantes dessa marca. 

Então, tirando os grandes desvios para baixo e para cima (Índia e França), com tranquilidade poderíamos dizer que países com PIB entre US$ 1,4 trilhões e US$ 2,9 trilhões destinam, atualmente, entre 40% e 50% do seu PIB para despesas públicas. Eis a faixa. Segunda conclusão: em termos comparativos ainda não conseguimos ver um Brasil desajustado, com seu Estado sofrendo de “obesidade mórbida”, a necessitar urgentemente de uma cirurgia que diminua suas possibilidades de ingestão calórica desmedida. A menos que consideremos todos esses países como sofredores dessa mesma síndrome. A França do “socialista” Hollande talvez, mas o Reino Unido do Partido Consevador? Não dá pra forçar a barra, né não?

Bem, mas vamos espancar a realidade mais um pouquinho… Perguntemos a ela, a um oráculo imaginário, se toda essa turma com produto interno bruto próximo ao Brasil, inclusive ele, poderia ser mais elegante, mais magra e mais eficiente. Vejamos nossos vizinhos de planeta Terra mais ricos, a suposta “gente fina, elegante e sincera”. Entre eles, há um claro degrau, a formar dois grupos: Alemanha e Japão, com PIB de 4 a 5 bilhões de dólares; China e Estados Unidos, com PIB duas ou mais vezes maior.

Grupo 4

País PIB/ Despesa Pública/PIB (%)

Japão 4.846.327/ 40

Alemanha 3.875.755/ 45

Grupo 5

País PIB/ Despesa Pública/PIB (%)

Estados Unidos 17.528.382/ 37

China 10.027.558/ 24

Comecemos isolando o caso extremo, a China. Entre as 10 maiores economias do mundo, só a China tem gasto público inferior a 30%. O que resta dos grupos 4 e 5? Todas dedicam a seus Estados algo em torno de 40% do PIB.

E para finalizar… Os dados das 20 maiores economias do mundo (o Brasil é a sétima) apontam que as que possuem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) na faixa “muito alto”, na qual infelizmente o Brasil ainda não está, apresentam: 1) relação despesa pública/PIB maior que o Brasil ou 2) despesa pública per capita maior que a brasileira. E mais, 10 das 12 economias com IDH muito alto apresentam Despesa Pública per capita de 4 a 6 vezes maior que a brasileira. O caminho para o desenvolvimento é reduzir os recursos à disposição do Estado brasileiro? Não é o que dizem os números.

IDH (2013) e Despesa Pública (2014)


Fonte: IDH – ONU e Despesa Púplica – FMI projeção para 2014

Terceira, e última, conclusão final: os dados mostram que o Estado brasileiro, ao contrário do que diz Giannetti, cabe em seu PIB. 

A afirmação feita pelo assessor econômico da campanha do PSB (que tinha antes Eduardo Campos como candidato e agora tem Marina Silva) não se sustenta, não é comprovável e representa o risco de um retrocesso: voltar ao tempo do desmonte do Estado; tempo esse iniciado por Collor e concluído por Fernando Henrique/PSDB. A discussão que cabe atualmente no Brasil não é mais a da redução do tamanho do Estado. De resto, como demonstramos aqui, o volume do Estado brasileiro está ajustado aos padrões internacionais para uma economia de seu porte. O debate que cabe é sobre como aumentar a eficiência e a eficácia na aplicação dos recursos à disposição do Estado brasileiro. Aumentar o efeito de cada Real aplicado em termos de elevação de bem estar para a população do país. E simplificar a estrutura tributária brasileira, diminuindo custos derivados de sua aplicação e aumentando a justiça fiscal diminuindo sua regressividade. Torná-lo cada vez mais republicano e universalista, menos sujeito aos interesses fisiológicos ou corporativistas. Enfim, aumentar sua agilidade na resposta às demandas sociais imensas de um país que ainda possui grandes desigualdades. Ou seja, já temos dificuldades verdadeiras de montão, não precisamos inventar outras…"

FONTE: escrito por *André Passos Cordeiro, Economista e Mestre em Ciência Política. Publicado no "Sul 21" e transcrito no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/noticia/ao-contrario-do-que-diz-giannetti-o-brasil-cabe-em-seu-pib-afirma-andre-p-cordeiro).

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