sexta-feira, 11 de julho de 2014

A SEMPRE TENTADA REVOLUÇÃO PAULISTA DE 1932:




Os espectros de 32 

O movimento de 1932 é incompreensível sem se perceber, entre seus condimentos, o ideal retroativo de restabelecer o poder e o jogo antigo das oligarquias.

Por Flávio Aguiar 

"A revolta de 1932 em São Paulo semeou vários espectros pela história brasileira. Lembro-me, por exemplo, de declarações inflamadas de que a “Revolução de 1964” realizara os “ideais de 32”.

Em parte isto era verdade. Um dos ideais dos revoltosos em 32 era a organização de uma frente oligárquica entre São Paulo e Minas, com apoio no Rio de Janeiro, para expulsar Getúlio Vargas do Palácio das Laranjeiras, que era então a sede do governo federal. Ainda guardo comigo uma preciosa edição especial da revista "Manchete", de abril de 1964, saudando a união de São Paulo, Minas e Rio para expulsar não mais Getúlio, que já deixara a vida para entrar na história, mas seu “herdeiro” João Goulart, e não mais do Rio de Janeiro, mas de Brasília, a então chamada "Novacap".

Em 32, a união oligárquica não vingou, e São Paulo sentiu-se “traído”, sobretudo por Minas. O curioso é que um dos poucos movimentos armados que ocorreram fora de S. Paulo aconteceu justamente no Rio Grande do Sul, em torno de Borges de Medeiros, antigo mentor de Vargas. Mas foi inexpressivo do ponto de vista militar.

O movimento de 32 é incompreensível sem se perceber, entre seus condimentos, o ideal retroativo de restabelecer o poder e o jogo antigo das velhas oligarquias, que não caíram em 30, mas tiveram seus poderes abalados e viram seu tabuleiro ocupado. Um dos argumentos dos oligarcas era o da “redemocratização” do país [sic].

Argumento semelhante foi mobilizado pelos golpistas em 64: garantir a democracia contra a “ditadura sindicalista” que se armava.

Em 32, ainda não era possível falar em “ditadura sindicalista”. Mas havia, é claro, o temor das antigas oligarquias pelo que os novos tempos poderiam lhe trazer: repartir o poder com novos governantes vistos (aliás injustamente, dada a própria história pregressa de Vargas) como “parvenus” – “recém-chegados”, visitantes indesejáveis dos paços palacianos do poder. Além disso, ver a emergência de uma classe operária na esteira da prevista industrialização acelerada do país, com seus “direitos trabalhistas” – mais herdeiros das reformas bismarckianas do que da “Carta del Lavoro” de Mussolini, ao contrário do espectro que ficou se propalando, muitas vezes com o beneplácito de muita gente pela esquerda.

Também não se pode entender completamente o levante sem enxergar o intrincado jogo de poder dentro dos quartéis, numa combinação explosiva de futricas, hierarquia e apetite ou medo diante da também prevista “modernização” das Forças Armadas. Houve muita disputa em torno das nomeações para o Ministério da Guerra, como se dizia então, além dos comandos regionais. Algo parecido ocorreu em 64. Até mesmo o pontapé inicial do golpe, dado pelo General Olímpio Mourão Filho, em Minas Gerais, fez parte desse tipo de disputa: quem daria o primeiro empurrão?

Por fim, um outro espectro que permaneceu – e permanece até hoje – diz respeito ao papel da mídia, então restrita basicamente aos jornais e também ao rádio. Os jornais de São Paulo alimentaram a população e o levante criando uma revolta imaginária. Insuflavam os ânimos com notícias sem fundamento sobre as frentes de luta. Tudo se passava, por vezes, como se as forças paulistas estivessem levando de roldão os adversários, quando, na verdade, acontecia o contrário. Na frente sul, os “legalistas” entraram em S. Paulo, enquanto nas frentes nortes criavam-se situações de impasse, ou de recuo para os paulistas, tanto na divisa com Minas Gerais como no Vale do Paraíba.

No começo de agosto, os jornais de S. Paulo chegaram a anunciar euforicamente que Getúlio fora deposto, que havia combates intensos e manifestações nas ruas do Rio de Janeiro, que estava “inflamado” contra o “ditador”. Na verdade, o que acontecera fora que a capital da República fora varrida por uma “tromba d’água”, como se dizia então, que fechara ruas, arrancara calçadas e fizera estragos de monta.

A revolta não houve, a tromba d’água passou, o governo permaneceu onde sempre estivera. Mas o hábito permaneceu: em 64 também se criou um “país fictício”, antijanguista, enquanto hoje se sabe que isso era mentira, que as pesquisas de opinião então ocultas registravam amplo apoio ao presidente deposto e suas reformas de base.

A revolta de 32 passou. Mas o espectro da mídia insuflando coisas irreais para alimentar a inconformidade permaneceu. É só olhar em volta nos dias que hoje correm."


FONTE: escrito por Flávio Aguiar no site "Carta Maior"  (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Os-espectros-de-32/4/31342).[Título acrescentado por este blog 'democracia&política'].

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