quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

COVARDIA DE DERROTADOS NO VOTO


Por Paulo Moreira Leite, na revista ISTOÉ

COVARDIA

Roberto Freire mostra que consegue superar-se ao atacar Dirceu

"A nova contribuição de Roberto Freire para atualizar sua biografia consiste em pedir o bloqueio das doações destinadas a José Dirceu.

Vamos combinar: é uma covardia absoluta atacar um cidadão preso.

Dirceu não tem como defender-se, não pode dar entrevista nem explicar seu pronto de vista a ninguém.

Vítima de uma denúncia infame, sem pé nem cabeça, desmontada pela direção do presídio, Dirceu é mantido há 90 dias sob regime fechado, embora tenha direito legítimo ao regime semiaberto, conforme já foi reconhecido pelo ministro Rciardo Lewandovski.

Embora não se pratique a tortura na Papuda, como acontecia nos tempos em que o pai de Tuminha -- novo amigo do deputado -- reinava no DOPS, basta ter alguma sensibilidade para se reconhecer que Joaquim Barbosa aplica aos condenados da AP 470 um regime de terror.

Os direitos estão suspensos, o perigo pode vir de qualquer lugar e aquilo que que deveria ser o traço máximo da Justiça -- a previsibilidade -- já deixou de existir.

O que se quer é a execução social dos prisioneiros, que devem ser reduzidos a condição de seres manipuláveis e disponíveis, sem consciência nem vontade própria.

As doações mostram que esse esforço é inútil.

Para desespero de quem imaginou que os prisioneiros seriam levados ao ostracismo -- como o próprio Joaquim cobrou da imprensa -- a campanha confirma que eles têm base social e reconhecimento.

Com todas as diferenças que se possa imaginar, as doações de 2014 lembram a reação dos militantes do PT em 2005, quando 312 000 filiados participaram da escolha da nova direção do partido, surpreendendo aqueles que apostavam na derrocada final da legenda depois da denúncia de Roberto Jefferson e das CPMI do Congresso.

O ataque a Dirceu comprova, por outro lado, que Roberto Freire conseguiu superar-se. Perde referências, abandona o próprio passado. Não é tudo por dinheiro, como aqueles infelizes nos programas de auditório. É tudo para aparecer na mídia. Tudo. Até a coragem dos covardes, que batem em indefesos.

Dias atrás se alinhou a Romeu Tuma Jr para pedir uma investigação sobre a insinuação de que Luiz Inãcio Lula da Silva teria sido informante da ditadura.
Fernando Henrique Cardoso deixou claro, numa entrevista ao "Manhathan Conection", que está fora desse jogo sujo.

Mas Roberto Freire mergulhou na lama sem receio de manchar sua biografia.
Porque toda pessoa que tenha participado da resistência à ditadura sabe que insinuações sobre personagens da luta contra o regime -- Lula é só o último exemplo entre tantos -- destina-se a acobertar os verdadeiros carrascos, os que comandavam a tortura e as execuções.

Já era sintomático, semanas atrás, que Roberto Freire tenha apelado à Comissão da Verdade para apurar o papel de Lula. 

Era muito mais fácil e decente pedir que se apurasse, prioritariamente, o papel de Romeu Tuma, pai, homem de confiança dos militares, cujo papel no aparelho repressivo, em São Paulo, foi embranquecido e passado a limpo, a tal ponto
que no fim da vida era tratado como amiguinho -- e até como democrata -- pelos desavisados, ingênuos e interesseiros. Bastava uma conversinha com vozes do porão para se saber de outras coisas. 

A farsa, a fraude, o absurdo reside nisso. Para acobertar um papel vergonhoso e lamentável durante o regime militar, procura-se espalhar a calúnia, a mentira, sobre pessoas contra as quais não há fato algum. Toda vez que fez uma
insinuação sobre Lula, seu filho (ajudado por Roberto Freire) deu um lustro na estátua do próprio pai. 

Compreende-se que um filho faça isso. Até que anuncie um segundo volume com novas besteiras. Todo mundo precisa ganhar vida e nunca faltarão amiguinhos sem pudor para dar auxílio e divulgação. Amor filial existe.
E amor próprio?

Um deputado comunista, que perdeu vários companheiros nas masmorras onde Tuma agia como um gerente -- que jamais ajudou a localizar um desaparecido, nunca deu uma pista para condenar um torturador -- não deveria portar-se de modo tão vergonhoso.

Também não deveria, agora, agredir quem não tem como se defender."

FONTE: escrito por Paulo Moreira Leite, diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa". (http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE).

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