domingo, 26 de maio de 2013

DEZ ANOS DE KIRCHNERISMO

Nestor (falecido) e Cristina Kirchner

Por Emir Sader

“A Argentina completou sábado, 25 de maio, data nacional, 10 anos da posse de Nestor Kirchner como presidente, que foi seguido por dois mandatos de Cristina Kirchner. É um período peculiar da Argentina, porque foi antecedido de momentos muito traumáticos: a ditadura e o terror que se implantou no país, as crises de hiperinflação no governo Alfonsín, e a implosão da política de paridade com o dólar, que produziu a maior crise econômica, social e política do país, em muito tempo.

Kirchner foi eleito de maneira sui generis. Menem (*) se candidatou e prometeu que, dessa vez, iria dolarizar completamente a economia argentina – o que causaria danos irreparáveis ao país e à integração latino-americana. Kirchner ficou em segundo lugar no primeiro turno. Diante dos apoios que Kirchner recebeu, que fatalmente o derrotariam no segundo turno, Menem renunciou e Kirchner assumiu a presidência 10 anos atrás.


(*) [OBS deste blog ‘democracia&política’: Carlos Saúl Menem Akil (Anillaco, Argentina, 2 de julho de 1930) foi presidente da Argentina de 8 de julho de 1989 a 10 de dezembro de 1999 pelo Partido Justicialista (Peronista).
Foi muito criticado por seu governo de corrupção, pelo seu perdão aos ex-ditadores Videla, Massera e a outros criminosos condenados da guerra suja, pelo fracasso das suas políticas econômicas neoliberais (muito semelhantes às de FHC/PSDB) que (embora com alguma eficácia no combate à inflação) elevaram a taxa de desemprego a mais de 20 por cento e a uma das piores recessões e diminuições de PIB que a Argentina já teve. (fonte: Wikipedia)]

Herança mais maldita não poderia haver: a suicida política de paridade com o dólar aprovada como medida de proteção contra as hiperinflações – teria que explodir um dia. Explodiu no colo do radical Fernando de La Rua, que manteve a política herdada e fugiu da Casa Rosada em helicóptero, antes de ser derrubado, como reação à repressão que seu governo desatou diante dos protestos de uma população que se sentiu enganada com a pauperização brutal e repentina que o fim da paridade trouxe.

Kirchner assumiu a política de renegociação da dívida externa diante de uma economia não apenas em profunda crise, mas com um Estado praticamente sem patrimônio para colocar como garantia a empréstimos, como resultado das privatizações de Menem. A Argentina [sob Menem], que havia sido autossuficiente em petróleo, privatizou [para a espanhola Repsol] em uma semana [1999] sua empresa estatal, a YPMF, e passou a ter imenso déficit energético e de recursos para comprar petróleo e gás do exterior e para subsidiar seu consumo à população [Subsídios necessários para compensar os altos preços estabelecidos pela espanhola Repsol.
Em 2012, o governo argentino nacionalizou e recuperou o controle da YPMF].

Mas, sobretudo, Kirchner inaugurou nova e agressiva política de apuração das responsabilidades durante a ditadura militar, que permitiu reabrir processos, condenar e colocar na prisão os principais responsáveis pelos massacres durante a ditadura.

Kirchner representou, na Argentina, a alternativa de superação do neoliberalismo. A economia do país se recuperou de forma acelerada durante toda a década passada, apesar da terrível herança recebida.

Seu governo, assim como os outros governos pós-neoliberais do continente, encontrou na velha mídia seu adversário mais importante, diante da fraqueza dos partidos opositores. Cristina enviou ao Congresso a primeira e mais importante iniciativa de democratização dos meios de comunicação, aprovada pelo Congresso, mas brecada, até aqui, pelo Judiciário.

Outra iniciativa similar foi a de democratização do Judiciário, igualmente aprovada pelo Congresso, que permitirá a eleição de uma parte dos juízes da instância superior do Judiciário pelo voto popular.

Do ponto de vista econômico, o governo conseguiu renegociar a quase totalidade da sua dívida, mas restam 8%, que são utilizados pelas empresas abutre para introduzir dificuldades para a Argentina obter créditos externos. Querem, também, deixar consignado que o caminho argentino não valeria a pena, para desencorajar outros países – como, por exemplo, a Grécia – a seguir pela via da renegociação da dívida.

As eleições parlamentares complementares deste ano definem se o governo conseguirá 2/3 de congressistas, para poder convocar referendo sobre reforma da constituição, o que poderia permitir que Cristina se candidate a um novo mandato. Embora com desgastes nos últimos meses – produto da inflação, do desabastecimento e de conflitos internos ao peronismo, que levaram a que o setor mais importante da principal central sindical, a CGT, passasse ativamente à oposição ao governo –, ela continua a ser, de longe, a líder com maior prestígio no país. Caso não consiga novo mandato, se abre um período de incertezas políticas no país, porque não há outro candidato kirchnerista que, aparentemente, possa triunfar. Na oposição, tampouco o quadro é claro, sem lideranças, nem plataforma – como aqui.

A comemoração de sábado, na Praça de Maio, levou a consigna ‘Una década ganada’. Mais que justa, se consideramos o país desfeito que deixaram Menem e De la Rua, e a recuperação e estabilidade econômica e política que os governos kirchneristas conseguiram.”

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