sexta-feira, 5 de abril de 2013

ARQUIVOS SECRETOS EXPÕEM IMPACTO MUNDIAL DE PARAÍSOS FISCAIS

“Um repositório de mais de 2,5 milhões de arquivos expôs os segredos de 120 mil companhias e fundos ‘offshore’, revelando as negociatas secretas de políticos, trapaceiros e de algumas das pessoas mais ricas do planeta.


Os documentos secretos obtidos pelo “International Consortium of Investigative Journalists” (ICIJ) revelam os nomes por trás de empresas sigilosas e fundos privados de investimento nas Ilhas Virgens Britânicas (IVB), ilhas Cook e outros refúgios ‘offshore’.

Entre eles, há médicos e dentistas norte-americanos e aldeões gregos de classe média, bem como familiares e asseclas de déspotas que se mantiveram no poder por longos períodos, trapaceiros de Wall Street, bilionários da Europa Oriental e Indonésia, executivos de grandes empresas russas, negociantes internacionais de armas e uma empresa comandada por testas de ferro que a União Europeia identificou como associada ao programa de desenvolvimento nuclear do Irã.

Os arquivos obtidos oferecem fatos e números --transferências de dinheiro, datas de registro, conexões entre empresas e indivíduos-- que ilustram de que maneira o sigilo financeiro ‘offshore’ se espalhou agressivamente pelo planeta, permitindo que os ricos e bem relacionados escapem a impostos e alimentando a corrupção e as dificuldades econômicas, tanto dos países ricos quanto dos pobres. Os documentos detalham os ativos ‘offshore’ de pessoas e empresas de mais de 170 países e territórios.

O acervo de documentos representa o maior estoque de informações privilegiadas sobre o sistema ‘offshore’ já obtido por uma organização de mídia. O tamanho total dos arquivos, medido em gigabytes, é mais de 160 vezes superior ao vazamento de documentos do Departamento de Estado norte-americano exposto pelo WikiLeaks em 2010.

Para analisar os documentos, o ICIJ colaborou com repórteres do "Guardian" e da BBC no Reino Unido; "Le Monde" na França; "Süddeutsche Zeitung" e “Norddeutscher Rundfunk” na Alemanha; "Washington Post"; “Canadian Broadcasting Corporation”; e 31 outros parceiros de mídia em todo o mundo.

Oitenta e seis jornalistas de 46 países utilizam sistemas de análise de dados de alta tecnologia e técnicas de reportagem tradicionais para vasculhar e-mails, contas e outros arquivos referentes a um período de mais de 30 anos.

"Jamais vi algo parecido. Esse mundo secreto foi, enfim, revelado", disse Arthur Cockfield, professor de Direito e especialista tributário na “Queen's University”, Canadá, que avaliou alguns dos documentos em entrevista à CBC. Ele disse que os documentos o faziam recordar a cena em "O Mágico de Oz" na qual "a cortina é aberta e vemos o mágico manipulando a máquina secreta".

MAFIOSOS E OLIGARCAS

O vasto fluxo de capital ‘offshore’ --legal e ilegal, pessoal e empresarial-- pode causar crises nacionais e desentendimentos entre os países. A crise financeira continuada na Europa foi alimentada pelo desastre fiscal na Grécia, e este foi exacerbado pela sonegação fiscal ‘offshore’ e pelo colapso dos bancos em Chipre, um minúsculo paraíso fiscal no qual os ativos bancários foram inflacionados por pesada entrada de dinheiro oriundo da Rússia.

Os ativistas que combatem a corrupção argumentam que o sigilo das operações ‘offshore’ solapa a lei e ordem e força os cidadãos comuns a pagar impostos mais altos, de forma a compensar a receita perdida devido a transferências para paraísos tributários. A “Iniciativa de Recuperação de Ativos Perdidos”, programa do Banco Mundial e das Nações Unidas, estimou que os fluxos transnacionais de proventos de crimes financeiros totalizam de US$ 1 trilhão a US$ 1,6 trilhão ao ano.

A investigação de 15 meses do ICIJ constatou que, em companhia de transações perfeitamente legais, o sigilo e a fiscalização frouxa do mundo ‘offshore’ permitem que fraudes, sonegação tributária e corrupção política prosperem.

Os usuários de transações ‘offshore’ identificados incluem:

Indivíduos e empresas ligados ao “caso Magnitsky”, na Rússia, um escândalo de fraude tributária que prejudicou o relacionamento entre Rússia e Estados Unidos e resultou na proibição de adoção de órfãos russos por cidadãos norte-americanos.

Um administrador de fundo de ‘hedge’ nos Estados Unidos acusado de utilizar entidades ‘offshore’ a fim de bancar um esquema de pirâmide internacional e canalizar milhões de dólares em suborno a um funcionário do governo da Venezuela.

Um magnata dos negócios que conquistou bilhões de dólares em contratos como resultado do boom da construção promovido pelo presidente Ilham Aliyev, do Azerbaijão, enquanto servia no conselho de empresas ‘offshore’ sigilosas controladas pelas filhas do presidente.

Bilionários indonésios conectados ao ditador Suharto (morto em 2008), que enriqueceu boa parte da elite de seu país durante as décadas em que exerceu o poder.

Os documentos também oferecem pistas possivelmente novas sobre crimes e dinheiro desaparecido sem deixar traços.

Depois de descobrir que o ICIJ havia descoberto a filha do antigo ditador filipino Ferdinand Marcos, Maria Imelda Marcos Manotoc, como beneficiária de um fundo nas Ilhas Virgens Britânicas (IVB), funcionários do governo filipino se declararam ansiosos para determinar se algum dos ativos do fundo era parte dos US$ 5 bilhões que o pai dela teria supostamente adquirido por meio de corrupção.

Manotoc, governadora de uma província nas Filipinas, se recusou a responder perguntas sobre o fundo.

RIQUEZAS E CONEXÕES POLÍTICAS

Os arquivos obtidos pelo ICIJ revelam as táticas em uso cotidiano pelas companhias de serviço ‘offshore’ e seus clientes a fim de manter o sigilo quanto a empresas e fundos ‘offshore’, e seus proprietários.

Tony Merchant, advogado que é um dos maiores especialistas em processos judiciais coletivos do Canadá, tomou providências para manter a privacidade de um fundo nas ilhas Cook no qual havia depositado mais de US$ 1 milhão em 1998, mostram os documentos.

Em declaração às autoridades tributárias canadenses, Merchant declarou não ter ativos superiores a US$ 1 milhão no exterior em 1999, de acordo com documentos judiciais.

Entre 2002 e 2009, ele frequentemente pagava as taxas de manutenção do fundo enviando milhares de dólares em dinheiro e cheques de viagem, por meio de portadores, em lugar de utilizar transferências ou depósitos bancários, fáceis de identificar, de acordo com documentos da empresa de serviços ‘offshore’ que cuidava do fundo para ele.

Uma nota no arquivo avisava os funcionários da empresa de que Merchant "teria um derrame" se eles tentassem fazer contato com ele via fax.

Pesquisas da CBC não encontraram indicações de que sua mulher, Pana Merchant, senadora canadense, tenha declarado sua participação pessoal no fundo em suas declarações anuais de renda. Não está claro que ela tivesse a obrigação de fazê-lo.

Os Merchant se recusaram a atender a pedidos de esclarecimento.

Outros nomes conhecidos identificados nos dados ‘offshore’ incluem a mulher de Igor Shuvalov, primeiro-ministro assistente da Rússia, e dois importantes executivos da Gazprom, a gigantesca estatal russa que é a maior extratora mundial de gás natural.

A mulher de Shuvalov e os dirigentes da Gazprom têm participação em empresas sediadas nas IVB, mostram os documentos. Os três se recusaram a comentar.

Os nomes espanhóis envolvidos incluem Carmen Thyssen Bornemisza, baronesa e ‘patronesse’ das artes, identificada nos documentos como tendo utilizado uma companhia das ilhas Cook para comprar obras de arte em casas de leilões como a Sotheby's e a Christie's, entre as quais "Moinho em Gennep", de Van Gogh. O advogado dela admitiu que ela recebe benefícios tributários pelo fato de a posse de seus quadros estar registrada ‘offshore’, mas enfatizou que a baronesa usa os paraísos fiscais primordialmente porque lhe oferecem "o máximo de flexibilidade" para transmitir obras de arte de país a país.

Entre os cerca de quatro mil nomes norte-americanos revelados está o de Denise Rich, compositora premiada com o Grammy cujo ex-marido ocupou posição central em um escândalo envolvendo perdões presidenciais que irrompeu quando o presidente Bill Clinton deixou o posto.

Uma investigação do Congresso norte-americano constatou que Rich, que arrecadou milhões de dólares para as campanhas de políticos democratas, desempenhou papel central na campanha que persuadiu Clinton a perdoar seu ex-marido Marc Rich, um operador de petróleo que era procurado nos Estados Unidos por sonegação tributária e formação de quadrilha.

Documentos obtidos pelo ICIJ mostram que, em abril de 2006, ela detinha US$ 144 milhões em um fundo nas ilhas Cook, uma cadeia de atóis de coral e formações vulcânicas no Pacífico a cerca de 11 mil quilômetros de distância da residência de Rich em Manhattan. Entre os ativos controlados pelo fundo, está o iate “Lady Joy”, no qual Rich costumava receber celebridades e arrecadar dinheiro para caridade.

Rich, que renunciou à cidadania dos Estados Unidos em 2011 e agora é cidadã austríaca, não respondeu a perguntas sobre seu fundo ‘offshore’.

Outro norte-americano proeminente que consta dos arquivos é membro da dinastia Mellon, criadora de companhias renomadas como a “Gulf Oil” e o “Mellon Bank”. James Mellon --autor de livros sobre Abraham Lincoln e sobre Thomas Mellon, o patriarca de sua família-- usou quatro empresas nas IVB e em Lichtenstein a fim de operar títulos e transferir dezenas de milhões de dólares entre contas ‘offshore’ controladas por ele.

Como outros usuários do sistema ‘offshore’, Mellon parece ter tomado medidas que o distanciam de seus ativos ‘offshore’, de acordo com os documentos. Ele, muitas vezes, usava nomes de terceiros como conselheiros e acionistas de suas empresas, em lugar do seu, um recurso jurídico que os proprietários de entidades ‘offshore’ muitas vezes empregam a fim de preservar o anonimato.

Contatado na Itália, onde vive alguns meses por ano, Mellon disse ao ICIJ que de fato costumava ter "muitas" companhias ‘offshore’, mas que abriu mão de todas elas. Ele diz que as criou por "vantagens tributárias" e por motivos de responsabilidade judicial, a conselho de seus advogados. "Mas jamais violei as leis tributárias", acrescenta.

Quanto ao uso de prepostos, Mellon diz que "é assim que essas empresas são estabelecidas", e acrescentou que era útil para pessoas como ele, que viajam muito, entregar o comando de seus negócios a terceiros. "Ouvi falar recentemente de um candidato à presidência que tinha muito dinheiro nas ilhas Cayman", disse Mellon, que assumiu a cidadania britânica, em alusão a Mitt Romney, candidato à presidência dos Estados Unidos em 2012. "Nem todo mundo que controla companhias ‘offshore’ é picareta".

CRESCIMENTO ‘OFFSHORE’
 
 
O anonimato do mundo ‘offshore’ muitas vezes dificulta rastrear o fluxo de dinheiro. Um estudo conduzido por James Henry, antigo economista chefe da consultoria McKinsey, estima que indivíduos ricos tenham entre US$ 21 trilhões e US$ 32 trilhões guardados em paraísos tributários ‘offshore’ --o equivalente ao tamanho das economias dos Estados Unidos e Japão combinadas.

E mesmo em meio à crise da economia mundial, o sistema ‘offshore’ continuou a crescer, diz Henry, membro do conselho da ‘Tax Justice Network’, uma organização internacional de pesquisa e ação política que critica os paraísos fiscais. As pesquisas dele demonstram, por exemplo, que os ativos administrados pelos 50 maiores "bancos privados" do planeta --que muitas vezes usam paraísos tributários para servir aos seus clientes de alto patrimônio-- cresceram de US$ 5,4 trilhões em 2005 a mais de US$ 12 trilhões em 2010.

Henry e outros críticos argumentam que o sigilo ‘offshore’ tem efeito corrosivo sobre os governos e sistemas judiciais, permitindo que funcionários públicos corruptos saqueiem os tesouros nacionais e oferecendo cobertura a redes de tráfico humano, mafiosos, exploradores de espécies animais ameaçadas e outros criminosos.

Os defensores dos sistema ‘offshore’ rebatem alegando que a maioria dos clientes está envolvida em transações legítimas. Os centros ‘offshore’, alegam, permitem que empresas e indivíduos diversifiquem seus investimentos, formem alianças comerciais além das fronteiras de seus países e realizem negócios em áreas nas quais os empresários encontram condições favoráveis, porque estas evitam a burocracia e as regras onerosas do mundo dos negócios convencionais.

"Tudo existe para facilitar os negócios", diz David Marchant, editor do “OffshoreAlert”, um boletim online de notícias. "Se você é desonesto, pode aproveitar o sistema de modo negativo. Mas se for honesto, pode aproveitá-lo positivamente".

Boa parte do trabalho de reportagem do ICIJ teve por foco o trabalho de duas companhias ‘offshore’, a “Portcullis TrustNet”, de Cingapura, e a “Commonwealth Trust Limited” (CTL), das IVB, que ajudaram dezenas de milhares de pessoas a criar companhias, fundos e contas bancárias sigilosas ‘offshore’.

As autoridades regulatórias das IVB constataram que a CTL violou repetidamente as leis de combate à lavagem de dinheiro das ilhas, entre 2003 e 2008, por não registrar e confirmar as identidades e históricos de seus clientes. "Essa empresa específica sofre de problemas sistêmicos de lavagem de dinheiro em sua organização", disse um funcionário da Comissão de Serviços Financeiros das IVB no ano passado.

Os documentos mostram, por exemplo, que a CTL estabeleceu 31 companhias em 2006 e 2007 para um indivíduo posteriormente identificado por tribunais britânicos como testa de ferro de Muktar Ablyazov, um magnata bancário do Cazaquistão acusado de roubar US$ 5 bilhões de bancos daquela antiga república soviética. Ablyazov nega qualquer delito.

Thomas Ward, canadense que foi um dos fundadores da CTL em 1994 e continua a trabalhar como consultor para a empresa, disse que os procedimentos de verificação de credenciais de clientes da CTL são compatíveis com os padrões setoriais nas IVB, mas que não há procedimento que permita garantir que empresas como a CTL não sejam "enganadas por clientes desonestos" ou modo de perceber que "alguém que parece honesto de acordo com os indicadores históricos" possa "se provar desonesto mais tarde".

"É errado, ainda que talvez conveniente, demonizar a CTL como se fôssemos o maior problema", declarou Ward em resposta escrita a questões. "Em lugar disso, acredito que os problemas da CTL sejam, no geral, proporcionais à sua participação de mercado".

O estudo de documentos da “TrustNet” pela ICIJ identificou 30 clientes norte-americanos acusados em processos civis ou criminais de fraude, lavagem de dinheiro e outros delitos financeiros graves. Entre eles, estão antigos gigantes de Wall Street como Paul Bilzerian, especializado em aquisições de empresas, condenado por fraude tributária e violações das leis financeiras em 1989, e Raj Rajaratnam, um bilionário administrador de fundos de ‘hedge’ sentenciado à prisão em 2011 em um dos maiores escândalos de ‘insider trading’ (uso indevido de informações financeiras privilegiadas) da história dos Estados Unidos.

A “TrustNet” se recusou a responder perguntas para este artigo.

LISTA SUJA

Os registros obtidos pelo ICIJ expõem a maneira pela qual operadores ‘offshore’ ajudam seus clientes a criar complicadas estruturas financeiras que abarcam países, continentes e hemisférios.

Uma funcionária do governo tailandês conectada a um famoso ditador africano usou a ‘TrustNet’, de Cingapura, para criar uma empresa sigilosa em seu nome nas IVB, mostram os documentos.

Essa funcionária tailandesa, Nalinee "Joy" Taveesin, no momento serve como representante do governo da Tailândia para questões de comércio internacional, Ela era parte do ministério do primeiro-ministro Yingluck Shinawatra até renunciar no ano passado.

Taveesin criou sua companhia nas IVB em agosto de 2008. Isso aconteceu sete meses antes que ela fosse indicada como assessora do ministro do Comércio tailandês e três meses antes que o Departamento do Tesouro norte-americano a colocasse na lista negra como comparsa do ditador Robert Mugabe, de Zimbábue.

O Departamento do Tesouro congelou os ativos de Taveesin nos Estados Unidos, acusando-a de apoiar "apoiar secretamente as práticas cleptocráticas de um dos mais corruptos regimes africanos", por meio do tráfico de pedras preciosas e de outras transações realizadas em nome de Grace, a mulher de Mugabe, e outros zimbabuanos poderosos.

Taveesin afirma que sua relação com os Mugabe é "estritamente social" e que sua inclusão na lista negra dos Estados Unidos só aconteceu por ela ter sido culpada em função dessa proximidade. Por meio de sua secretária, Taveesin negou veementemente que seja proprietária de uma empresa nas IVB. O ICIJ confirmou sua propriedade por meio de documentos da ‘TrustNet’ que a identificam como acionista de uma empresa, em sociedade de seu irmão, e mencionam o endereço de sua empresa legítima em Bancoc como seu endereço de contato.

Os registros obtidos pelo ICIJ também revelam uma companhia secreta pertencente a Muller Conrad "Billy" Rautenbach, um empresário do Zimbábue incluído na lista negra norte-americana na mesma data em que Taveesin, por seus contatos com o regime de Mugabe. O Departamento do Tesouro alega que Rautenbach ajudou a organizar grandes projetos de mineração no Zimbábue que "beneficiam pequenos números de funcionários públicos corruptos de primeiro escalão".

Quando a CTL criou uma companhia para Rautenbach nas IVB em 2006, ele estava foragido da Justiça, devido a acusações de fraude na África do Sul. As acusações pessoais contra ele foram descartadas, mas uma companhia sul-africana que ele controlava se admitiu culpada de acusações criminais e pagou multa de cerca de US$ 4 milhões.

Rautenbach nega as alegações das autoridades norte-americanas, afirmando que cometeram "grandes erros factuais e judiciais" em sua decisão de incluí-lo na lista negra, disse seu advogado Ian Small Smith. O advogado afirmou que a companhia de Rautenbach nas IVB era um "veículo de propósitos especiais para fins de investimento em Moscou", e que cumpria todas as obrigações de prestação de contas às autoridades. A empresa já não está ativa.

SERVIÇO COMPLETO

Os clientes de serviços ‘offshore’ são atendidos por todo um setor de intermediários bem remunerados --contadores, advogados e bancos que oferecem cobertura, criam estruturas financeiras e transferem ativos em nome dos clientes.

Documentos obtidos pelo ICIJ mostram como dois importantes bancos suíços, o ‘UBS’ e o ‘Clariden’, trabalharam com a ‘TrustNet’ a fim de prover aos seus clientes companhias protegidas pelas leis de sigilo das IVB e outros paraísos fiscais.

O ‘Clariden’, controlado pelo ‘Credit Suisse’, solicitava níveis de confidencialidade tão elevados para certos clientes, demonstram os registros, que um funcionário da ‘TrustNet’ definiu as solicitações do banco como o "cálice sagrado" das entidades ‘offshore’ --uma companhia tão anônima que a polícia e as autoridades regulatórias encontrariam "um muro de silêncio" caso tentassem descobrir as identidades dos proprietários.

O ‘Clariden’ se recusou a responder perguntas sobre seu relacionamento com a ‘TrustNet’.

"Devido às leis suíças de sigilo bancário, não estamos autorizados a fornecer qualquer informação sobre titulares de contas, existentes ou supostos", o banco declarou. "Como regra geral, o ‘Credit Suisse’ e as companhias a ele relacionadas respeitam as leis e regulamentos dos países nos quais se envolvem".

Um porta-voz do UBS disse que o banco aplica "os mais elevados padrões internacionais" para combater a lavagem de dinheiro, e que a ‘TrustNet’ "é um dos 800 provedores de serviço com os quais os clientes do UBS escolheram trabalhar em todo o mundo a fim de atender às suas necessidades patrimoniais e de planejamento de sucessão. Esses prestadores de serviços também são empregados por clientes de outros bancos".

A ‘TrustNet’ se descreve como prestadora de serviços completos --sua equipe inclui advogados, contadores e outros especialistas que podem formular pacotes de sigilo para atender às necessidades e aos patrimônios de seus clientes. Esses pacotes podem ser simples e baratos, a exemplo de uma companhia aberta nas IVB. Ou podem ser estruturas sofisticadas que combinam múltiplas camadas de fundos, companhias, fundações, produtos de seguros e os chamados "prepostos", para servirem como acionistas e conselheiros.

Quando criam companhias para seus clientes, os serviços ‘offshore’ muitas vezes apontam falsos acionistas e conselheiros --testas de ferro que substituem os proprietários que não desejam ver suas identidades reveladas. Graças à proliferação de acionistas e conselheiros falsos, os investigadores que trabalham em casos de lavagem de dinheiro e outros crimes muitas vezes chegam a becos sem saída quando tentam descobrir quem realmente está no comando de uma companhia ‘offshore’.

Uma análise conduzida pelo ICIJ, "Guardian" e BBC identificou um grupo de 28 "conselheiros de fachada" que servem como representantes hipotéticos em mais de 21 mil conselhos de empresas, entre eles; alguns dos conselheiros individuais têm seus nomes identificados como conselheiros em mais de quatro mil companhias.

Entre os testas de ferro identificados pelos documentos obtidos pelo ICIJ está um operador britânico que serviu como conselheiro de uma empresa nas IVB, a “Tamalaris Consolidated”, que a União Europeia definiu como fachada para a “Islamic Republic of Iran Shipping Line”, companhia de navegação iraniana acusada pela União Europeia, ONU e Estados Unidos de ajudar no programa de desenvolvimento nuclear do Irã.

ZONA DE IMPUNIDADE

Há grupos internacionais trabalhando há décadas para limitar as trapaças tributárias e a corrupção no mundo ‘offshore’.

Nos anos 90, a “Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico” (OCDE) começou a pressionar os centros ‘offshore’ para que atenuassem suas normas de sigilo e combatessem com mais rigor a lavagem de dinheiro, mas esse esforço perdeu o vigor na década de 2000, quando o governo Bush retirou o apoio norte-americano à campanha, de acordo com Robert Goulder, antigo editor chefe do "Tax Notes International".

Uma segunda "grande cruzada" contra os paraísos fiscais, escreve Goulder, começou quando as autoridades dos Estados Unidos decidiram confrontar o UBS, forçando o banco suíço a pagar US$ 780 milhões, em 2009, para encerrar, em acordo extrajudicial, um processo no qual o banco era acusado de ajudar cidadãos norte-americanos a sonegar impostos. As autoridades norte-americanas e alemãs estão pressionando os bancos e governos a compartilhar informações sobre clientes e contas ‘offshore’. O primeiro-ministro britânico David Cameron prometeu usar sua liderança do G8, o fórum dos países mais ricos do mundo, para ajudar a reprimir a sonegação de impostos e a lavagem de dinheiro.

Promessas como essa costumam ser recebidas com ceticismo, dado o papel que importantes membros do G8 - Estados Unidos, Reino Unido e Rússia --desempenham como origem e destino de dinheiro sujo. A despeito dos novos esforços, o mundo ‘offshore’ continua a ser "uma zona de impunidade" para qualquer pessoa determinada a cometer crimes financeiros, disse Jack Blum, ex-investigador do Senado norte-americano e hoje advogado especializado em casos de lavagem de dinheiro e fraude tributária.

"O fedor periodicamente fica tão forte que alguém precisa se aproximar e recolocar a tampa na lata de lixo, deixando-a fechada por algum tempo", diz Blum. "Houve algum progresso, mas ainda resta muito a avançar".

FONTE: reportagem de Gerard Ryle, Marina Walker Guevara, Michael Hudson, Nicy Hager, Duncan Campbell E Stefan Candea. Colaboraram Mar Cabra, Kimberley Porteous, Frederic Zalac, Alex Shprintsen, Prangtip Daorueng, Roel Landingin, Francois Pilet, Emilia Díaz-Struck, Roman Shleynov, Harry Karanikas, Sebastian Mondial e Emily Menkes. O “International Consortium for Investigative Journalists” é uma rede independente de repórteres de mais de 60 países que colaboram em investigações internacionais. É um projeto do “Center for Public Integrity”, de Washington. Texto publicado no portal UOL/Folha com tradução de Paulo Migliacci (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1256886-arquivos-secretos-expoem-impacto-mundial-de-paraisos-fiscais.shtml).

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