segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Cientista político argentino: “COM CORREA, EQUADOR VAI CONTINUAR MUDANDO PARA MELHOR”


“O cientista político e sociólogo argentino Atilio Borón, que está no Equador como observador internacional das eleições que se realizaram no país ontem, domingo (17), fez uma análise do governo de Rafael Correa que em seis anos conquistou avanços importantes no âmbito social e econômico com a Revolução Cidadã.

Por Érika Ceconi, enviada especial do Vermelho a Quito, e por Leonardo Severo

"Nesta eleição está em jogo a continuidade de um processo de transformações como nunca houve no Equador"

Em entrevista exclusiva concedida ao Portal Vermelho, Borón destacou a magnitude dos programas sociais que permitiram melhor qualidade de vida para os equatorianos, defendendo a soberania do país, além de ter política externa voltada à integração latino-americana.

Portal Vermelho: O que está em jogo para a América Latina nas eleições do Equador?

Atílio Boron: Está em jogo a continuidade de um processo de transformações como nunca houve no Equador. Esta não é mais uma eleição, é um momento em que se ratifica um rumo de grandes transformações que mudaram definitivamente a história do país, portanto os setores do establishment econômico, político e ideológico estão procurando, por todos os meios, evitar que este caminho seja ratificado. Este é um processo que interessa também aos demais países latino-americanos, porque tem uma exemplaridade muito importante.

Demonstra que, se o país tiver uma vocação firme, de avançar por um caminho de grandes transformações, como fizeram no Equador, esse avanço é possível. Acredito que esta seja uma eleição muito esperançosa para os povos latino-americanos, onde sempre nos disseram que éramos países frágeis, subdesenvolvidos tínhamos que, simplesmente, aceitar as regras que os Estados Unidos ou que as agências internacionais impunham.

Esse homem [Rafael Correa] não aceitou essas regras: suprimiu a base militar em Manta, não aceitou as políticas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), não pagou a dívida externa, fez uma auditoria e pagou somente o que tinha que pagar. O país teve avanço econômico muito importante e avanço social realmente extraordinário. Se Correa perdesse as eleições, seria o início de retrocesso em cadeia em toda a região, com consequências muito negativas; mas  ganhando vai dar mais fôlego aos governos que, na América Latina, irão avançar por um caminho mais radical, como está transitando Correa.

Quais avanços (econômicos, sociais , culturais) que o Equador teve durante o governo de Rafael Correa?

AB: No aspecto social, ele fez enorme investimento na educação e também regulando. Um problema sério que temos na América Latina, que no Chile é gravíssimo, são as universidades privadas. No Chile, houve uma série de demandas de jovens que tinham sido prejudicados pelas universidades privadas que não respondiam a nenhum critério acadêmico. A resposta do Ministro de Educação foi dizer para os estudantes “Vão queixar-se na agência de proteção ao consumidor”. Imagina o que isso significa como ideologia, de que a educação é uma mercadoria.

No Equador, aconteceu o mesmo, e Correa, quando começou o problema, não deixou que chegasse até o final, disse para as universidades que elas tinham que responder aos padrões de excelência acadêmica do ministério; estabeleceu prazo de dois anos para que se adaptassem e, durante esse período, não poderiam admitir nenhum aluno. As universidades não cumpriram, continuaram enganando os alunos, fazendo publicidade; os estudantes se inscreveram, pagaram e, no fim do prazo, Correa fechou essas universidades, iniciou processo judicial contra os donos, obrigou a devolverem o dinheiro para todos os estudantes e, ainda por cima, os ameaçou de prisão por fraude.

Essa é a diferença entre Correa e [Sebastián ] Piñera; o presidente equatoriano demonstra a importância de regular as universidades privadas que, na Argentina e no Brasil, continuam sendo muito desreguladas. Temos universidades que são mais tecnicistas do que universidades, onde não há investigação, não há professores em período integral, não há bolsas para os alunos, não há boas bibliotecas, não há laboratórios, mas diante da oferta insuficiente das universidades públicas essas universidades [privadas] se aproveitam. No Equador, essa prática não existe mais.

Correa fez enorme esforço em investimento na educação: multiplicou por várias vezes o orçamento em todos os níveis, criou escolas especiais de caráter bilíngue para que se aprenda o espanhol e o quéchua, fez um programa enorme de livros, alimentação e uniforme escolar. Não há pretexto para que uma criança não frequente a escola no Equador.

A saúde neste país era para os ricos, os pobres não tinham acesso, Correa, sem avisar a ninguém, nem seus colaboradores, em uma manhã qualquer vai a um hospital público, em Quito ou no interior, para ver o que está acontecendo e, se vê uma fila, pergunta: “Por que esta fila?”. A partir daí, imediatamente se produz um alvoroço. Normalmente, quando ele vai, não estão nem o diretor, nem o chefe dos médicos. Então, ele demite todos, contrata outras pessoas e resolve. Os indicadores de saúde melhoraram, dramaticamente.

As pessoas têm melhor educação, saúde, salários. Por exemplo, aqui há uma ideia que é o salário digno, que não é o salário mínimo. No Equador, o salário mínimo não basta, tem o salário digno que permite cobrir todas as necessidades básicas, que o mínimo não consegue. As empresas só podem repartir seus lucros uma vez que todos os trabalhadores estejam recebendo o salário digno, o que é um enorme benefício para quem antes não tinha nenhum marco legal, nenhum apoio, nada. Isso explica a enorme popularidade de Correa.

Em infraestrutura, também investiu muito. Há dez anos este país quase não tinha estradas. Hoje em dia, fizeram mais de dez mil quilômetros de rodovias, de primeiro nível, conectando cidades que antes se demorava oito horas para chegar e hoje se leva duas horas. Também, fez uma série de pontes que permitiram aproximar as comunidades.

Além de ser um político carismático, Correa é grande administrador. Na América Latina, temos políticos com enorme popularidade, mas entregam a administração para secretários da fazenda, ministros da economia. Já o mandatário equatoriano concentra essa administração em suas mãos e é muito rigoroso. As políticas sociais, econômicas, o esforço pela integração, por buscar uma maneira de proteger a natureza não tem precedentes neste país.

Como Correa age em relação ao movimento indígena e à mineração?

AB: Posso assegurar que há diferença muito grande entre a base indígena e camponesa e a liderança destas organizações. As direções têm rechaço muito forte a Correa e as bases o apoiam. É um pouco o que ocorria com o "Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra" (MST) no Brasil, onde havia um setor da direção do MST que era antiLula e a base do movimento a favor. O que estamos vendo é que o comando se organizou politicamente e a porcentagem de votos que está obtendo é inferior a 5% em um país onde a população indígena equivale a 40%. Algo parecido à eleição presidencial anterior onde as organizações indígenas apoiaram um candidato que obteve 2% dos votos e Correa obteve mais de 50%.

Os críticos de Correa têm discurso muito demagógico, porque dizem que não se deve explorar a natureza nas regiões controladas pelos indígenas, mas, se fizerem isso, como fazer para levar a essas áreas hospitais, escolas e serviços sociais? Evo Morales defende a exploração dos recursos naturais, pois senão de onde sairia o investimento? Quem vai dar o dinheiro ao Equador para que faça todos esses enormes programas sociais? Os Estados Unidos? Brasil, Argentina, Índia? Quem? Ninguém vai dar, então acredito que há uma proposta falsa de alguns autores que fazem a crítica ao extrativismo, que não respondem a duas questões: É preciso mudar o padrão de consumo; os EUA consomem anualmente 270 quilos de papel por pessoa (no Brasil não chega a 50) e a solução que propõem é reduzir o consumo nos países desenvolvidos. Não falam de uma revolução socialista, anticapitalista, sua proposta fica como engodo. Para reduzir o consumismo do capitalismo avançado, é necessária uma revolução anticapitalista e as pessoas que criticam o extrativismo jamais falam do tema da revolução; a segunda coisa que não falam é que ignoram a dinâmica demográfica dos nossos países.

O Equador tem hoje cerca de 15 milhões de habitantes aproximadamente, mas vai ter 28 dentro de 25 anos. Então, o que faremos? Se não explorarmos mais os recursos, como fazer? Os equatorianos não vão poder comer, porque têm que semear mais para colher mais e a agricultura é uma forma de transformar e de atacar a “madre tierra”. Não vamos ser hipócritas pensando que os antigos egípcios ou os povos originários não atacavam a natureza. Não existe maneira de não atacar a natureza. O que se deve fazer é evitar que esses ataques sejam ataques mortais, temos que ser conscientes de que, mesmo uma agricultura camponesa, como existe no Brasil, implica ataque à natureza. Esse segundo problema também não falam, porque não são críticas sérias. Não falam nem da revolução nem do que significa a necessidade de enfrentar demandas sociais de uma população que dentro de 30 anos vai ser o dobro.

O Brasil tem uma dinâmica demográfica menor do que o Equador, mas dentro de 40 anos vão ser provavelmente cerca de 300 milhões e o que será feito? Cruzar os braços e não tocar na natureza? Isso é inviável, é condenar os pobres do país e serem eternamente pobres. Não podemos concordar com isso.

Com base no que está sendo feito, qual a sua projeção para o futuro?

AB:Acredito que, com maioria parlamentar, Correa vai poder aprofundar essas políticas, vai poder avançar como um pouco mais de tranquilidade em matéria de reestruturação econômica. Ele está interessado em industrializar a economia, em ter um controle monetário, que não existe porque a moeda é o dólar.

O presidente não pode governar o país do ponto de vista econômico, não pode emitir mais dinheiro, pois depende do que os Estados Unidos fazem. Acredito que ele vai buscar uma solução para ter mais autonomia monetária, vai avançar de todas as maneiras no plano de infraestrutura e interconexão das diferentes regiões do Equador e integrar tudo. Eu penso que o Equador vai continuar avançando do ponto de vista educacional, já que Correa tem muito claro que o avanço na educação é fundamental para construir uma sociedade melhor.

Existem alguns obstáculos financeiros, mas com um parlamento que joga a favor do projeto poderá ter maiores recursos para o investimento e fortalecer muito a integração na América Latina. Ele é um homem com grande ideário latino-americano, além de defender firmemente suas opções políticas: fechou a base aérea estadunidense em Manta, renegociou a dívida externa e teve a enorme valentia de outorgar asilo diplomático a Julian Assange, que é algo que outros países maiores poderiam ter feito mais facilmente, mas não o fizeram. Acredito que ele vai avançar nesse caminho, mudando o Equador para melhor, pois tem ideias muito claras e uma grande força de vontade.”

FONTE: escrito por Érika Ceconi, enviada especial do Vermelho a Quito, e por Leonardo Severo. Publicado no portal "Vermelho"  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=206074&id_secao=7).

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