quinta-feira, 13 de setembro de 2012

AS "LUZES" TUCANAS E O "APAGÃO" DO PLANEJAMENTO

Por Saul Leblon

“O setor de energia é, por definição, área indissociável do planejamento. Os projetos nesse setor são de longa maturação. Construir uma usina, obrigatoriamente, é algo a ser previsto anos antes; o calendário das obras obedece a estudos estratégicos de evolução da demanda. O planejamento é imperativo em se tratando do principal insumo da sociedade moderna. Sem a garantia desse, os demais perdem potência de uso.

Prescindir do planejamento estatal nessa tarefa é algo só cogitável em época em que a mentalidade pública foi esfericamente colonizada pelo espírito imediatista dos ditos “mercados autossuficientes”. Aqueles que, livres da mão pesada do 'intervencionismo', 'alocariam os investimentos da forma mais eficiente, ao menor custo'.

Um dia, em meados de maio de 2001, esse conto de fadas midiático ortodoxo trombou com o lobo mau, pasme, da escassez de eletricidade num país que tem uma das maiores redes fluviais do mundo: era o “apagão”. A diferença entre a oferta e a demanda sinalizava déficit de robustos 20%. Duas horas de apagão em cada dez. Um colosso.

Curioso, ninguém desconfiara antes? Não. O conluio entre as “privatizações” e a “ganância dos acionistas privados”, cuja lógica consiste em sobrepor os dividendos aos investimentos, indicava céu de brigadeiro. Não foi uma falha, mas o resultado de uma convicção.

Ainda hoje, a alegada “falta de chuva” é a humilhante explicação dos protagonistas desse 'cochilo' do século operado por um governante “brasileiro” [?].

Hidrelétricas, como se aprende nos bancos escolares, dispõem de reservatórios justamente para estocar água. Uma forma planejada de assegurar a geração das turbinas quando as chuvas escasseiam.

O colosso tucano que hoje borrifa iluminismo contra os obscurantistas estatizantes contratara uma escuridão estrutural em pleno século XXI. Seu custo: 2% do PIB, mais um salário mínimo per capita em impostos emergenciais cobrados dos brasileiros.

O desemprego em São Paulo, em abril do ano seguinte, bateu em 20,4% - no auge da Depressão nos EUA, em 1937, chegou a 27%. O 'apagão' vitaminou uma economia já desidratada pela ortodoxia monetária e escalpelada pela fuga de capitais.

Hoje, ainda, muita gente se espanta que o saldo líquido de vagas criadas no ciclo tucano tenha sido inferior a 800 mil. Cinco milhões de empregos criados no período, mas devastados por barrigadas desse tipo. Nos oito anos de Lula, a contrário, 15 milhões de empregos foram gerados: o saldo final foi superior a 11 milhões de vagas.

O iluminismo colonizado pelos mercados revelou-se puro obscurantismo conservador.

Quem se jactava de haver 'enterrado a era Vargas', desprezou também o exemplo de Roosevelt. Com ele, a ferramenta da racionalidade mais óbvia para enfrentar as incertezas intrínsecas aos mercados e à natureza: o planejamento público da economia. De novo aqui, o oposto do que fizeram Lula e Dilma a partir de crise de 2008.

Nesse “11 de setembro” de trágicas efemérides, a Presidenta Dilma Rousseff trouxe à memória nacional mais esse episódio para relativizar a soberba daqueles que uma década depois continuam a aspergir “lições de ética e finanças” [!], a partir de uma experiência histórica falida. A mídia esqueceu , mas quando estourou o 'apagão, em maio de 2001, o governo FHC vivia às voltas com uma CPI focada nas entranhas do Palácio e da base aliada.

Dilma contrapôs ao corte de 20% de energia elétrica, produzido nesse intercurso do “mercadismo”, com as 'luzes', um corte médio de 20% nos preços das tarifas a partir de janeiro de 2013.

A redução deve funcionar como importante impulso de competitividade para a indústria brasileira, uma das poucas no mundo abastecida predominantemente por energia limpa proveniente dos rios.

Dilma, que é especialista na área, deflagrou também um pente fino nas empresas do setor de energia. Em bom português: acabou a mamata herdada da privatização tucana. A partir de agora, elas serão obrigadas a reduzir suas tarifas na proporção dos investimentos já amortizados. Se já foram amortizados, não podem onerar os preços. O desconto já anunciado pode ficar maior.

Sem esconder certa ponta de orgulho, a Presidenta observou: "Tivemos que reconstruir esse setor".

A reconstrução inclui um “Plano Decenal” que prevê 71 novas usinas até 2017, com potencial de geração de 29.000 MW (o equivalente a duas Itaipu).

O hiato de planejamento público de três décadas sem grandes obras passa por bem-vindo “aggiornamento”. Trata-se de incorporar, à engenharia brasileira de grandes estruturas - que sempre foi uma referência entre os países em desenvolvimento -, a mitigação de impactos sociais e ambientais das hidrelétricas. Algo perfeitamente possível do ponto de vista técnico e econômico.

Existem 140 usinas hidrelétricas hoje; são responsáveis por 84% da energia elétrica consumida no Brasil.

Em todo o planeta, a fonte de eletricidade mais usada é o carvão mineral (40%), maior emissor de CO2. Mais de 65% da geração de eletricidade mundial provém de fontes fósseis (carvão mineral, gás natural e diesel) de alta emissão de CO2. O uso de fontes renováveis e de baixa emissão não ultrapassa 13% na média mundial; limita-se a 7% nos países ricos. No Brasil, é de 47%, sendo a hidroeletricidade a grande responsável por esse trunfo.

Impedir o sucateamento desse patrimônio representa, em si, ganho ambiental inestimável. Hoje, talvez,, ele estivesse comprometido se a lógica vigente nos anos 90 ainda comandasse o Estado brasileiro.”

FONTE: escrito por Saul Leblon no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1088).

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