sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A REAÇÃO ENTREGUISTA NA MÍDIA AO PRONUNCIAMENTO DE DILMA NA ONU




O artigo é de J. Carlos de Assis

“É repulsiva a tentativa dos dois principais comentaristas de noticiários da "Globo", Carlos Sardenberg, na economia, e Arnaldo Jabor, na política, de enxovalhar cada um dos pronunciamentos da Presidenta Dilma Roussef, inclusive o recente discurso na ONU. Sabemos que eles falam para um público muito específico, os inconformados com o exercício do poder pelo PT, mas se tratando de um órgão de comunicação de massa era de se esperar algum pudor, mesmo porque a esmagadora maioria da opinião pública apoia Dilma.

Jabor não me incomoda muito: é um retórico vulgar mais obcecado pelo efeito das palavras do que pelo seu significado. Ouvindo-o, temos a sensação de que o que está errado com a política externa brasileira é não declararmos logo guerra ao Irã.

Sardenberg é mais insidioso. Manipula a ideologia econômica de um jeito maneiroso, próprio de todo difusor ideológico, que transforma as vítimas das políticas econômicas regressivas em culpados, recobrindo muito manhosamente a responsabilidade dos ricos.

Para entender a extensão na qual Sardenberg, como homem de frente da "Globo", faz o jogo entreguista cumpre entender alguns elementos básicos de economia política que ele deliberadamente omite em seus comentários. Não existe uma receita única contra a recessão e a depressão econômica. Há um conjunto delas.Três são bem conhecidas: a política cambial, a política monetária e a política fiscal. Todas visam ao mesmo objetivo: recuperar a demanda interna, favorecer o investimento e estimular o emprego, gerando um círculo virtuoso de crescimento.

Contudo, essas políticas não são neutras do ponto de vista distributivo. A política fiscal certamente favorece a distribuição da riqueza e da renda, sobretudo quando o gasto público é financiado por aumento da dívida e aplicado em setores de interesse social. Sim, porque se o gasto público, numa recessão, for financiado por receita fiscal, estamos diante de um jogo de soma zero: tiram-se recursos do setor privado que são repassados ao setor público e que por sua vez voltam ao setor privado, sem gerar necessariamente aumento líquido da demanda agregada.

A política monetária é concentradora de renda. Sim, porque quando os bancos centrais emitem dinheiro e o tornam disponível para os bancos privados, a custo baixo, os favorecidos são os tomadores últimos dos recursos – sem falar nos intermediários bancários -, que só têm acesso a esse dinheiro se ofereceram garantias para seus empréstimos. Quem pode oferecer garantias senão os que têm renda alta e patrimônio? Por certo, alguns consumidores se beneficiarão do crédito mais barato, mas trata-se de uma proporção pequena da economia. Em qualquer hipótese, pagarão juros aos bancos, concentrando renda.

A política cambial geralmente adotada na recessão é a desvalorização da moeda nacional de forma a estimular as exportações. É o que os Estados Unidos estão fazendo. O pressuposto é que o aumento das exportações leva ao aumento da atividade econômica interna e do emprego, gerando, também aqui, um efeito virtuoso de retomada de crescimento. O Japão tem procurado desvalorizar a sua moeda e a Europa, provavelmente, seguirá o mesmo caminho, pelo menos enquanto não mudar sua política econômica, o que é muito pouco provável a curto e médio prazos, por razões basicamente políticas.

Agora, vejamos o discurso de Dilma na ONU. Ela criticou duramente a política do FED, banco central americano, por inundar o mercado de dinheiro e forçar a desvalorização do dólar. Sardenberg ("Globo") se apressou a apoiar a posição americana contra Dilma. Recorreu a uma citação de Paulo Krugman, um dos mais notáveis economistas americanos, segundo o qual, nas suas palavras, a posição da Presidente não se justificava por se tratar de uma iniciativa do Governo americano de fazer retomar a economia do país.

Bem, essa citação de Krugman é falsa, ou ao menos incompleta. O que Krugman diz é o seguinte: numa recessão, deve-se adotar, de preferência, uma política fiscal expansiva. Na falta dela, deve-se apoiar a iniciativa monetária como último recurso.

Assim, traduzindo em miúdos, o recado que a Presidenta deu na ONU foi o seguinte: "vocês, os países ricos, estão mergulhando o mundo no caos econômico e financeiro por se recusarem a fazer políticas fiscais expansivas. E como seu sistema político incompetente não é capaz de gerar essas políticas, nos impõem políticas regressivas no campo monetário. Desculpem, mas não temos alternativa a não ser levantar barreiras comerciais contra os seus produtos, na medida em que suas políticas monetárias e cambiais, desvalorizando suas moedas, pretendem inundar nossos mercados de manufaturados, liquidando nosso parque produtivo. Não aceitaremos isso. O nosso dever é proteger nosso mercado de trabalho.”

FONTE: artigo de J. Carlos de Assis publicado no site “Carta Maior”. O autor é economista e professor de Economia Internacional na UEPB, autor de vários livros sobre economia política brasileira e de “A Razão de Deus”, recém-lançado pela Editora Civilização Brasileira  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20983).

COMPLEMENTAÇÃO:

Brasil x EUA: PROTECIONISMO OU LEGÍTIMA DEFESA?

Por Luiz Carlos Bresser-Pereira

TROCA DE TARIFA POR CÂMBIO OCUPA CENTRO DA ESCOLA KEYNESIANO-ESTRUTURALISTA QUE ESTÁ SURGINDO NO BRASIL

“O governo americano, em carta enviada por seu representante comercial Tom Kirk ao Ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, acusou o governo Dilma de estar sendo "protecionista" por haver decidido aumentar tarifas de cem produtos importados pelo Brasil.

E cobrou ("urged") que o governo brasileiro reveja sua decisão. O ministro brasileiro ironizou o americano por ter "reconhecido a legalidade" das medidas brasileiras no quadro da OMC e afirmou que o Brasil foi obrigado a tomar essa iniciativa porque os EUA, com sua política de emissão de dólares ("quantitative easing"), vem causando a apreciação do real.

Patriota acusou, também, os EUA de subsídio à sua agricultura, mas a novidade em termos de discussão tarifária é a de mostrar que tarifas e taxa de câmbio se substituem quando se trata de importação. Esta é uma tese "proibida" na OMC, mas é, afinal, óbvia.

Se um país eleva em 10% suas tarifas, mas a taxa de câmbio se aprecia em 30%, na prática a indústria foi afinal desprotegida em 23% em relação ao preço inicial em reais.

Façamos as contas, partindo-se de tarifa zero, do preço de um bem de US$ 10, e de uma taxa de câmbio de R$ 2,60 por dólar, implicando um preço em reais de R$ 26,00. Se for estabelecida uma tarifa de 10%, seu preço em reais será R$ 28,60; mas caso a taxa de câmbio se aprecie em 30%, caindo para US$ 1,82, o preço em reais cairá de R$ 28,60 para R$ 20,00, de forma que, devido à depreciação, a proteção adicional de 10% se transformou em uma desproteção líquida de 23%.

A substituição de tarifa por câmbio e a tese de que nos países em desenvolvimento a taxa de câmbio deixada livre tende a ser cronicamente sobrevalorizada estão no centro da nova escola keynesiano-estruturalista que está surgindo no Brasil.

Quando o ministro Guido Mantega, que faz parte dessa escola, afirmou, há alguns anos, que o Brasil estava sendo vítima de uma guerra cambial, pensava nesses termos.

É claro que os EUA e o clube dos países ricos não concordam. Porque, ideologicamente, acreditam que a liberalização comercial geral é do seu interesse. Na verdade, em relação a países de renda média que são capazes de exportar bens manufaturados, isso não é mais verdade.

Se esses países lograrem neutralizar as duas causas dessa sobrevalorização crônica do câmbio (entradas excessivas de capital, agora agravadas pela política de emissão monetária dos países ricos, e doença holandesa), ganharão mais que os ricos com a abertura comercial.

Foi o que perceberam há muito os países asiáticos dinâmicos, que não se deixaram enganar pela tese do Ocidente de que "precisam" de seus capitais. É o que nós, brasileiros, já começamos também a entender, mas que não tivemos ainda força suficiente para implementar, seja porque a “dependência de nossas elites e principalmente de nossos economistas” é muito maior do que a das elites asiáticas, ou porque a doença holandesa é mais grave aqui.

Como não logramos colocar a taxa de câmbio no verdadeiro nível de equilíbrio, somos obrigados a aumentar tarifas. É um "second best", mas está claro que o governo brasileiro não se deixará comover com as acusações americanas [sempre endossadas pela nossa imprensa]. O que o Brasil está fazendo é legítima defesa.”

FONTE DA COMPLEMENTAÇÃO: escrito por Luiz Carlos Bresser-Pereira na “Folha de São Paulo”  (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/67999-protecionismo-ou-legitima-defesa.shtml) [Imagem obtida no Google e trecho entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

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