domingo, 15 de julho de 2012

FHC CUMPRIU O SEU PAPEL (de defender os interesses dos EUA)

FHC OUVIU O GALO CANTAR; ACHOU QUE ERA UM TUCANO

Por Saul Leblon

“Fernando Henrique Cardoso recebeu um prêmio da biblioteca do Congresso dos EUA, cuja primeira edição agraciou a tradição dos intelectuais arrependidos da esquerda. O polonês Leszek Kolakowski inaugurou a fila do 'Pluge' em 2003 depois de concluir uma baldeação do marxismo ortodoxo à rejeição radical da obra de Marx, classificada por ele como a "maior ilusão do século XX".


No caso de FHC, o prêmio de U$ 1 milhão brindou os desdobramentos políticos de suas reflexões sobre a dependência. No entender dos curadores, elas teriam demonstrado como os países periféricos 'podem fazer escolhas inteligentes e estratégicas' (leia-se dentro dos marcos dos “livres mercados” [que beneficiam os EUA]) mesmo estando em desvantagens em relação às nações industrializadas". 

O tucano não decepcionou. Na entrevista, após embolsar o galardão, falou grosso. E acusou Lula de ser responsável pelas agruras atuais da indústria nativa (perda de competitividade e de peso no PIB), ao interromper as “reformas liberalizantes”. Isso mesmo, aquelas das quais seu governo foi um instrumento [dos interesses norte-americanos] e cuja correspondência no plano internacional, como se verifica, legou-nos um mundo de fastígio e virtudes sociais. O diagnóstico do sociólogo, como se sabe, vem ancorado em atilada visão macroeconômica [sic].

Graças a ela, o Brasil frequentou o guichê do FMI por três vezes em seus oito anos de mandato. Mais recentemente, em 29 de setembro de 2011, quando o governo Dilma reduziu a SELIC pela primeira vez e começou a armar o país contra a segunda avalanche da crise vinda da Europa, FH advertiu no jornal Valor: "A decisão (de cortar os juros) se mostra precipitada diante das previsões de queda do crescimento e mais inflação".

A fina sintonia com o lobby dos bancos, jornalistas e rentistas --que anunciavam o dilúvio após a queda da SELIC, de estratosféricos 12,5% para 12%, contra zero nos EUA-, não se confirmou. As previsões do 'mercado' de uma inflação em alta (6,52% então), esfarelaram-se ante o peso descomunal do agravamento do quadro externo. Na 4ª feira, depois de novo corte de 0,5 ponto na SELIC, que atingiu recorde de baixa de 8%, contra um pico histórico de 44,5% em março de 1999 [no governo FHC/PSDB], no segundo mandato do sociólogo, ninguém mais se lembrava das doutas advertências feitas por ele em 2011.

O mundo literalmente despenca sob o peso descomunal de uma quase depressão, que avança pelo quinto ano sem perspectivas de solução nos marcos do capitalismo desregrado. Os capitais em fuga para a segurança inundam os cofres do Banco Central Europeu e do Tesouro americano, mas também do alemão, que pagam taxa de juro inferior à inflação. Ou seja, os ricos preferem pagar para guardar o dinheiro em títulos públicos confiáveis do que investir na produção. O nome disso é colapso sistêmico.

Mais de 17,5 milhões de empregos foram dizimados na Europa. Espanha, Grécia, Portugal, Irlanda caíram sob intervenção da banca para salvar ela própria; Obama chapinha num lodaçal de liquidez que não consegue reerguer a maior economia da terra; a China já sente a retração do comércio mundial que irradia efeitos contracionistas também no Brasil e demais fronteiras da América Latina.

Dos escombros desse desastre de proporções ferroviárias, irrompe falação do tucano em defesa das 'reformas'. Sejamos francos, FHC ouviu o galo cantar; achou que era um tucano áulico.

A industrialização brasileira vive, de fato, uma compressão decorrente de desequilíbrios internos e externos. O fôlego industrial do país hoje é 5% inferior ao que existia no pré-crise de 2008. Quem acha que a perda é miúda deve ser informado que a corrosão ocorre justamente nos setores de ponta, aqueles que dão o comando aos demais segmentos da economia e da produção. A regressão decorre, em grande parte, da não retificação do substrato neoliberal trazido do ciclo tucano, a saber: privatizações que desguarneceram a capacidade do Estado de investir na infraestrutura, indispensável à ampliação da competitividade sistêmica; liberdade de capitais; juros escorchantes; câmbio valorizado e miséria aniquiladora da demanda interna.

O governo Lula optou por atacar com maior contundência dois flancos desse modelo de inserção internacional dependente, construído pelo PSDB: o mercado de massa asfixiado pela fome de emprego, de comida, crédito e salário mínimo e o torniquete financeiro externo, feito de dívida alta e reservas baixas. Poderia ter ido além, afrontando o lobby rentista associado ao câmbio destrutivo? Tecnicamente, deveria. A resposta técnica descuida 'apenas' de um dado: a relação de forças permitiria atacar todas as frentes ao mesmo tempo?

Mal ou bem, as escolhas históricas de Lula deram ao seu segundo governo, e ao primeiro de Dilma, base de apoio social ampliada que hoje possibilita aprofundar o descolamento em relação à "agenda neoliberal", evocada na nostálgica entrevista de FHC.

Nesse espaço dilatado pela política, há uma discussão à espera de seus personagens; ela é sobremaneira urgente.

Até que ponto é possível blindar o país do vagalhão em curso apenas com doses de soro creditício e recuos graduais da SELIC, como tem sido feito? Ou ainda: se o investimento privado não comparece para dar impulso sustentável a essa engrenagem, qual deve ser o espaço do Estado na resistência contracíclica à recessão?

Não se trata de menosprezar a importância dos mercados, sobretudo do mercado de capitais, mas as insuficiências da lógica privada ficaram evidentes na recente queda de braços entre o governo e a banca em torno dos “spreads”. A pendência só se inclinou a favor da redução do custo do dinheiro quando o governo decidiu politizar o tema e acionou poderosa alavanca indutora: os bancos estatais, que normatizaram o significado do interesse nacional nesse momemto. O mesmo ocorreu em 2008. Antes da crise, os bancos públicos eram responsáveis por 30% do crédito oferecido; hoje, por 40%. O crédito dos bancos públicos cresceu do equivalente a 15,5% do PIB para 22,5%. Sem eles, o lubrificante básico da atividade econômica, o crédito, minguaria, como acontece na Europa agora.

Lição correlata vem da área do petróleo. O mundo estrebucha, mas a Petrobrás reafirmou investimentos de US$ 236,5 bilhões até 2015 -- US$ 142 bilhões em exploração e produção, o que significa fabulosa injeção de demanda por máquinas, serviços e equipamentos. Por que a Petrobrás é capaz de fazer, enquanto outras instâncias do governo patinam? Levantamentos do IPEA mostram que, dos R$ 13,661 bilhões destinados este ano à construção de rodovias, por exemplo, apenas R$ 2,543 bilhões (18,6%) foram gastos até maio.

Uma das respostas é que a existência da Petrobrás preservou a capacidade de planejamento do país no setor petrolífero; preservou e ampliou seus quadros de alto nível, expandiu o torque de sua engenharia, formou e massificou sua mão de obra; induziu e disseminou uma estratégica cadeia de fornecedores; criou e motivou a implantação de centros de pesquisa de ponta na área. Enfim, fez tudo o que foi suprimido ou interditado no interior do Estado brasileiro nos anos 90, e que um deslocado FHC reivindicou como 'trunfo' desperdiçado por Lula. O resultado desse 'trunfo' é a brutal dificuldade enfrentada agora para destravar investimentos imprescindíveis em infraestrutura, mesmo quando não existe restrição orçamentária. Os ditos 'mercados' não dão conta do recado; o Estado foi programado para não fazer.

Se quiser de fato ir além de soluços de consumo nos próximos anos, o Brasil talvez tenha que perder o medo de discutir um tema interditado pela ideologia do “Estado mínimo“ nos anos 90: a criação de novas empresas públicas, estatais que possam nuclear setores estratégicos e fazer o mesmo que os bancos públicos e a Petrobrás fazem hoje em suas áreas de referência -- colocar o mercado para trabalhar pelo país.

A título de ilustração, vale a pena ler reportagem recente do jornal “Valor”. Ela mostra como até os batalhões de engenharia do Exército, livres do desmonte do ciclo tucano, e à margem das licitações feitas para não funcionar, conseguem entregar obras antes do prazo [e devolvendo dinheiro], em situações em que a livre iniciativa fracassa ou se torna onerosa.

Roosevelt, na Depressão dos anos 30, nos EUA, fez coisas que deixaram os capitalistas e a mídia de cabelos em pé. Foi acusado de comunista e odiado pelos endinheirados. Mas tinha o apoio dos sindicatos e o voto das ruas; salvou a economia do país. A lição daqueles dias vale para o governo Dilma, mas também convida os sindicatos e a CUT a irem além das reivindicações salariais. A ver.”

FONTE: escrito por Saul Leblon no site “Carta Maior” (
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1031). [Título, imagens do google e trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política']

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