terça-feira, 27 de setembro de 2011

Emir Sader: NOVO PERU

Ollanta e Dilma

ANTECEDENTES

“A aridez do deserto, bruscamente rompida pelo imponente lago Titicaca, seguido pela majestosa cordilheira dos Andes eternamente nevada, anuncia que estamos cruzando para a região Pacífico da América Latina. O Peru é dos países andino amazônicos –junto com a Colômbia e a Bolívia– que apresentam os cenários naturais os mais diversos, com as correspondentes contraposições de diferenciações sociais.

A combinação entre a riqueza dos metais preciosos que os colonizadores buscavam com a presença de uma das civilizações mais avançadas do mundo no momento da invasão dos territórios americanos -a inca– fez com que o Peru fosse, junto com o México, -com o qual compartilhava aspectos similares, dos metais preciosos com as avançadas civilizações azteca e maia– escolhido pelos colonizadores espanhóis para ser a sede do império nas novas terras, como vice-reinado.

Foi aqui, em Ayacucho, que os exércitos libertadores latino-americanos, dirigidos por San Martin, por O’Higgins, por Sucre, derrotaram definitivamente o Exército colonizador e expulsaram os colonizadores espanhóis.

A forte presença indígena ainda permitiria ao Peru dar a mais importante contribuição do marxismo latino-americano, com a obra de Jose Carlos Mariategui, pioneiro na articulação das questões de classe com as questões indígenas, que a partir da década passada ganharam grande atualidade, especialmente na Bolívia, no Equador e aqui mesmo no Peru.

Mas somente nos anos 1960, quando o Brasil já entrava na ditadura militar, é que o Peru teve um governo que buscou incorporar, pela primeira vez, os indígenas, secularmente excluídos, discriminados, humilhados e ofendidos. Foi com a novidade do governo de Velasco Alvarado, militar nacionalista, que fez uma reforma agrária mais avançada que a da Revolução Cubana, reconheceu o direito dos indígenas usarem seus idiomas na Justica, introduziu esses idiomas nas escolas.

Foi o bastante para que se tornasse, até hoje, maldito para a direita e a burguesia e classe média de Lima. A esquerda tampouco entendeu o que o fenômeno prenunciava, apesar do chamado de atenção de Fidel sobre o fato de que os dois pilares tradicionais da dominação oligárquica na América Latina –FFAA e Igreja, esta com o Concilio Vaticano II e a teologia da libertação, aquele com o nacionalismo militar– mudavam e isso mudaria a história do continente.

A relação dos indígenas com a sociedade oligárquica peruana teria ainda um episodio dramático com o surgimento do “Sendero Luminoso”, guerrilha maoísta fundamentalista, que buscou resgatar a representação indígena na forma de um movimento ultrarradical, violento até mesmo contra a esquerda que não se rendia ao movimento. O Peru viveu os anos mais duros da sua história recente, com o movimento popular massacrado no fogo cruzado entre o Sendero e a repressão de Fujimori, que deixou até hoje suas marcas, porque praticamente destruiu sua espinha dorsal.

Se sucederam governantes que impulsionaram o modelo econômico exportador extrativista, que levou ao crescimento continuado da economia com base no dilapidamento das suas riquezas naturais –desta vez incorporando os energéticos ao lado dos metais preciosos-, sem distribuição de renda. O fenômeno se repetiu com Fujimori, Toledo e Alan Garcia: continuidade de alto crescimento econômico, sem distribuição de renda, com Estado mínimo e forte penetração dos capitais estrangeiros.

Como resultado, baixíssima popularidade dos presidentes, todos fragorosamente derrotados na sucessão. (É falso que o Peru tenha sido o pais com maior crescimento econômico nos últimos anos, esse recorde pertence a Argentina.)

Até que não puderam mais eleger neoliberais como presidentes para suceder a neoliberais e o Peru passou a ter como presidente um militar de origem camponesa, Ollanta Humala, que começa a introduzir o Peru no grupo de governos pós-neoliberais, com enormes dificuldades, como veremos a seguir, mas com apoio interno e externo que lhe permite enfrentar esses obstáculos, abrindo nova era na história do Peru.”

2ª PARTE:

OS NÓS DO RESGATE DO PERU POR OLLANTA

“Naquela que é, provavelmente, sua melhor novela, “Conversas na Catedral” (um barzinho em que os amigos da geração se reúnem em Lima), Vargas Llosa faz com que um personagem pergunte ao outro:

- Quando se estrepou o Peru?

Se dá por estabelecido que o país tenha se estrepado, faltava saber apenas quando isso tinha se dado.

Depois da sucessão de fracassos, o sentimento no Peru hoje é o de alívio e de resgate. Alívio por ter evitado, por pouco, o retorno sinistro do fujimorismo (...)

Mas a herança da qual ele parte é difícil e ele tem plena consciência disso.

Cada governo que se lança na superação do modelo neoliberal parte de uma herança determinada, seu inevitável ponto de partida para a construção especifica da sua modalidade do posneoliberalismo.

Em geral, parte-se de situações de crise, mais ou menos aguda –com a Argentina como caso mais extremo, mas que se estende a praticamente todos os outros países. No caso do Peru, essa é uma diferença: como dizia um ditador brasileiro, “a economia vai bem, o povo vai mal”.

Há um consenso no Peru de que não se deveria retroceder do crescimento econômico dos últimos anos, mas fazê-lo acompanhar com políticas redistributivas. Esse é um condicionante para Ollanta. Se não recebe o Peru em crise econômica, em compensação sofre as pressões para que não mude a política econômica. A solução que ele está buscando implementar é a da cobrança de um imposto sobre lucros, o que as mineradoras ganharam acima da média mundial do setor. Trata, também, de cobrar impostos pendentes que os governos anteriores não cobraram. Retirou a proposta de nacionalização de empresas mineradoras, que seu programa para o primeiro turno tinha.

Esse é o primeiro dos principais nós que Ollanta tem que enfrentar. O segundo é o de como, no marco do Tratado de Livre Comércio que o Peru tem com os EUA, pode-se priorizar as relações com UNASUL –como tem reiterado Rafael Rongliolo, Ministro de Relações Exteriores e uma das mais importantes presenças da esquerda no ministério. Brechas há, tanto assim que a China já se tornou o primeiro parceiro comercial do Peru. Uma delas é que o TLC se refere a relações comerciais –obstáculo para o ingresso do Peru no Mercosul-, mas não a posições aprovadas em UNASUL e no seu recentemente criado Conselho Sul-americano de Economia e Finanças, sobre medidas defensivas em relação às consequências da crise.

Mas o nó talvez mais difícil é a relação entre as empresas mineradoras e os movimentos indígenas. O extrativismo exportador foi o responsável tanto pelo crescimento regular da economia, em torno de 7% ao ano, nunca conseguido antes no país, como pela multiplicação dos conflitos, a grande maioria deles em torno de questões de meio ambiente, de algumas dezenas para várias centenas em poucos anos.

Como as coisas estão colocadas hoje, ou o governo mantém a forma de atuação –prepotente, avassaladora do meio ambiente– das grandes empresas estrangeiras e garante a continuidade do ritmo de crescimento da economia, mas se chocará abertamente com os movimentos indígenas, ou formalizará o direito de veto destes e inviabilizará grande parte dos grandes investimentos que tem garantido a expansão continuada da economia peruana.

Ollanta quer redistribuir as cartas do jogo, tem planos que, se conseguir colocar em prática, permitiriam redefinir o desenho dos enfrentamentos, apoiado no imenso apoio eleitoral que teve na região.

Em Puno, onde houve um grave conflito durante o processo eleitoral e Ollanta conseguiu que se suspendesse o conflito por um tempo, ele obteve mais de 70% dos votos. Certamente do equacionamento deste problema depende em grande medida o resgate do Peru.”

FONTE: escrito pelo cientista político Emir Sader e publicado no seu blog e no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=735) e (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=736) [imagem do google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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