sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

INVESTIMENTO PESADO EM INOVAÇÃO EXIGE QUE FINEP VIRE BANCO, DEFENDE MINISTRO


Aloizio Mercadante, ministro de Ciência e Tecnologia. Inclusão: ‘Não vamos resolver o apartheid social se não resolvermos o apartheid digital’

Marta Salomon – O Estado de S.Paulo

“Aloizio Mercadante é, como ele define, um economista que “está ministro”. Após as primeiras horas no cargo de ministro de Ciência e Tecnologia, ele anunciou que pretende transformar a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), empresa pública responsável por bancar projetos na área de ciência e tecnologia, em instituição financeira. Seria uma forma de aumentar investimentos no setor.

Em entrevista ao ‘Estado’ na noite de 2ª feira, Mercadante adiantou que ordenou uma revisão do acordo espacial com a Ucrânia para lançamento de foguetes da base de Alcântara (MA). Também admitiu que tem dúvidas sobre a conveniência de produzir urânio enriquecido para exportação.

Pesquisas na área de defesa dividem prioridades, segundo ele, com áreas de maior potencial de inovação, como petróleo e gás, por conta da exploração do pré-sal, e a indústria farmacêutica, impulsionada pelo vencimento de patentes de medicamentos nos próximos anos.

--Qual é o papel do ministério no governo Dilma Rousseff?

O governo Lula criou as bases de um novo desenvolvimentismo, uma inflexão histórica que supera o nacional desenvolvimentismo e o que foi o neoliberalismo. É um padrão de desenvolvimento que tem como eixo estruturante a criação de um mercado interno forte de consumo de massas e políticas de inclusão social. Agora, precisamos olhar a agenda para o futuro: o Brasil não pode se acomodar no papel de exportador de commodities. Temos de enfrentar um concorrente com custos cada vez mais reduzidos, que é a China. Temos problemas de juros, de câmbio, de carga tributária, de infraestrutura, mas somos uma economia que voltou a crescer. Isso significa que temos de focar na inovação como o grande desafio da indústria e da economia brasileiras. A questão da sustentabilidade e a questão da sociedade do conhecimento são grandes desafios.

--E como entram Ciência e Tecnologia nessa agenda?

A primeira prioridade é melhorar a formação de recursos humanos. Formávamos 5 mil doutores e mestres em 1987. Em 2009, formávamos 50 mil mestres e doutores, mas ainda estamos abaixo da média internacional. Segundo, aprofundar a pesquisa. Na inovação, temos de ter uma visão sistêmica, que articule os agentes e com atenção para as cadeias que têm grande potencial inovador. Por exemplo, gás e petróleo. O Brasil vai ter mais de 25% da capacidade de compra de todo o investimento offshore de gás e petróleo no mundo. É uma janela de oportunidade. Da mesma forma, a área de fármacos. O déficit comercial nessa área é de mais de US$ 4 bilhões. A partir de 2014, as patentes estarão abertas. Então o Brasil tem potencial para usar essa oportunidade para desenvolver novos medicamentos, patentes próprias, inovação, pesquisa.

--O Sr. defende a criação de uma superempresa nacional para competir nessa área?

Não participei de nenhuma discussão nesse sentido. O que interessa é inovar, e a gente não inova sem parceria com a iniciativa privada. As empresas brasileiras investem pouco em pesquisa e desenvolvimento: 0,51% do PIB. No Japão, ele é de 2,7%.

--Por que as empresas investem pouco aqui?

Porque a cultura industrial do passado era a da reserva de mercado, onde a tecnologia era importada. E porque viemos da hiperinflação, mais de duas décadas de baixo crescimento, instabilidade, custos elevados, juros, câmbio e carga tributária. Agora o ambiente macroeconômico se estabiliza, o crescimento acelera e você tem política industrial, apoio do BNDES, da FINEP, começa a ter um marco legal mais favorável à inovação. Uma das metas é transformar a FINEP numa instituição financeira para aumentar a capacidade de financiamento. Temos um parecer do Banco Central, conversei com a presidenta Dilma e ela gostou da proposta.

--É viável a meta de investimento no setor?

O porcentual de investimento em pesquisa e desenvolvimento dos setores público e privado está em torno de 1,25% do PIB. Para chegarmos à meta de 1,5%, a verba para o setor precisa crescer 10% ao ano. É ambicioso, mas possível. A recomendação da 4.ª Conferência de Ciência e Tecnologia é chegarmos a algo entre 2% e 2,5% em uma década. Essa ambição histórica o Brasil tem de ter. E temos de superar entraves básicos, como a importação de reagentes. A ANVISA fez um protocolo, a Receita fez, mas não resolveu. O complexo industrial da saúde merece atenção. Outro complexo muito importante na inovação é o da defesa. Temos alguns projetos importantes, a discussão de como transferir tecnologia na aviação militar, que é fundamental para a nova geração da aviação civil. Na área aeroespacial, o presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, assumirá a presidência da Agência Espacial Brasileira.

--O acordo espacial com a Ucrânia será mantido?

Vamos fazer uma avaliação profunda e olhar a empresa binacional que está envolvida. É prematuro um posicionamento.

--Novas definições do programa nuclear estão suspensas desde 2008, pouco depois da retomada do programa. Há lobby pela participação da iniciativa privada na construção e operação de novas usinas, o que exige emenda constitucional. O Sr. apoia?

Existe um grupo ministerial, e o ministério pode ser ouvido no futuro. Mas a competência do nosso ministério é a pesquisa e a inovação, o domínio do ciclo do enriquecimento de urânio. Domínio em escala industrial é uma possibilidade. Esse passo só se justificaria se fôssemos exportar urânio enriquecido. Há demanda no mercado internacional, mas outros países estão estabelecendo investimentos nessa área, então temos de pensar bem a viabilidade econômica desse passo.

--Sua conversa com a presidente até aqui já desceu a detalhes?

Segunda-feira (3), conversei com ela mais de duas horas. Ela é do ramo, gosta, motiva-se. Conversamos sobre banda larga e inclusão digital. Tenho um projeto aprovado no Senado que canaliza recursos do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) para esse programa. O FUST arrecada R$ 1 bilhão por ano, e esses recursos sempre foram contingenciados. Não vamos resolver o apartheid social se não resolvermos o apartheid digital.

--Na votação do Orçamento de 2011, parlamentares tiraram dinheiro da ciência para financiar projetos de turismo.

Como são emendas que viabilizam respostas imediatas às prefeituras, ganham apoio. Mas devíamos olhar adiante e ver que essas cidades deviam estar preocupadas em montar uma incubadora de empresas com base tecnológica, pensar em parques tecnológicos para atrair empresas que vão criar emprego e pesquisa. Mas conseguimos negociar e a verba vai voltar para o orçamento, porque a presidenta assegurou que voltará.

--Qual é o maior problema que encontrou?

Depois do que passei na liderança do Senado, ainda não encontrei nenhum. Seguramente há. Sou economista, professor, estive senador, estou ministro. Acredito que o Brasil só dará um salto histórico se olhar a sustentabilidade e a sociedade do conhecimento. Um dos projetos que vamos implementar é a previsão de catástrofes. O INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) tem um novo supercomputador, vamos usá-lo e cruzar com informações das áreas de risco. Nós estimamos 500 áreas de risco no País e 5 milhões de pessoas expostas.

--O Sr. falou em atrair talentos, mas como se dará isso?

Com estímulo. Queremos repatriar talentos que saíram nas épocas difíceis. Só professores nas universidades americanas, em exercício, são cerca de 3 mil. Vivemos uma diáspora de talentos, hoje somos um ímã.”

FONTE: reportagem de Marta Salomon publicada no “O Estado de S.Paulo” e transcrita no blog do Favre (http://blogdofavre.ig.com.br/2011/01/investimento-pesado-em-inovacao-exige-que-finep-vire-banco-defende-ministro/).

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