domingo, 30 de janeiro de 2011

Dalmo Dallari: “SOBERANIA BRASILEIRA CONTRA FARSA POLÍTICA” (ITALIANA)


“Jornais italianos divulgaram trechos de uma carta que o presidente da Itália, Giorgio Napolitano, enviou à presidente brasileira Dilma Rousseff, propondo que esta modifique uma decisão rigorosamente legal do ex-presidente Lula, tomada com estrita observância das normas jurídicas nacionais e internacionais aplicáveis ao caso, alegando que tal decisão não foi do agrado dos italianos.

Por Dalmo Dallari para o Jornal do Brasil

Imagine-se agora a presidenta brasileira escrevendo uma carta ao governo da Itália, propondo a mudança da decisão [italiana] que manda tratar como criminosos os sem-teto por serem potencialmente perigosos, dizendo que tal decisão causou desilusão e amargura no Brasil, sobretudo entre os que lutam por justiça social e pelo respeito à dignidade de todos os seres humanos. Certamente haveria reações indignadas na Itália, por considerarem que tal proposta configurava uma interferência indevida na soberania italiana.

A verdadeira razão da carta do presidente italiano nada tem a ver com desilusão e amargura dos italianos, mas faz parte de uma tentativa de criar um fato político espetaculoso, que desvie a atenção do povo italiano das manobras imorais, ilegais e antidemocráticas que foram realizadas recentemente e continuam sendo elaboradas visando impedir que seja processado criminalmente o primeiro-ministro, Sílvio Berlusconi, pela prática de crimes financeiros, corrupção de testemunhas, compra de meninas pobres para a promoção de bacanais, crimes que já são do conhecimento público e que ameaçam a perda da maioria do governo do Parlamento.

A Itália adota o parlamentarismo, e a perda da maioria acarretará a queda do governo, com a perda dos privilégios e da garantia de impunidade não só de Berlusconi, mas de todos os políticos e corruptos de várias espécies que integram o sistema liderado por Berlusconi.

Ainda de acordo com os jornais italianos, a carta do presidente Napolitano é patética e evidentemente demagógica, dizendo que a entrega de Cesare Battisti à Itália vai aliviar o sofrimento causado por todo o derramamento de sangue dos anos 70.

Na realidade, aquela época é conhecida como “anos de chumbo”, período em que ocorreram confrontos extremamente violentos, havendo mortos de várias facções, de direita e de esquerda. E segundo o presidente italiano, a punição severa de Battisti, tomado como símbolo, daria alívio a todo o povo. Pode-se bem imaginar a espetacular encenação que seria feita e toda a violência que seria usada contra Battisti, para mostrar que, afinal, os mortos estavam sendo vingados. E com isso a crise política ficaria em plano secundário.

Para que não haja qualquer dúvida quanto à farsa, basta assinalar que, como noticia a imprensa italiana, na lamentável carta o presidente diz que Battisti foi condenado à pena de prisão perpétua por ter assassinado quatro pessoas. E hoje qualquer pessoa razoavelmente informada sobre o caso sabe que esses quatro assassinatos, que deram base à condenação, incluem a morte de duas pessoas, no mesmo dia e praticamente na mesma hora, tendo ocorrido um na cidade de Milão e outro em Veneza Mestre, locais que estão separados por uma distância de mais de trezentos quilômetros. Seria praticamente impossível a mesma pessoa cometer aqueles crimes, e isso não foi levado em conta no simulacro de julgamento de Battisti. Só alguém com algum tipo de comprometimento ou sob alguma forte influência poderá tomar conhecimento desses fatos e fingir que eles são irrelevantes para o direito e a justiça.

Por tudo isso, a lamentável carta do presidente Giorgio Napolitano, se realmente chegou a ser enviada, deve ser simplesmente ignorada, para que o Brasil não seja usado numa farsa política e para que não se dê qualquer possibilidade de interferência antijurídica e antiética nas decisões soberanas das autoridades brasileiras.”

FONTE: escrito por Dalmo Dallari, professor e jurista. Publicado no Jornal do Brasil e transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=146413&id_secao=1) [imagem do Google adicionada por este blog]

COMPLEMENTAÇÃO DESTE BLOG:

CARTA DA PRESIDENTA DILMA AO PRESIDENTE NAPOLITANO


FONTE DA CARTA RESPOSTA: publicada no blog do jornalista Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/carta-de-dilma-a-napolitano).

4 comentários:

Luna Que Se Quiebra disse...

Triste é a melhorzinha revista semanal per- sistir numa vulgar e incivilizada cruzada con- tra a decisáo do Governo Brasileiro. Usando, p.ex., na edicáo desta semana, desde a se- çáo Cartas de Leitores, até internamente re- feréncias desrespeitosas ( repetidas mesmo muitas edicóes depois de o chefe escrever que nao voltaria mais ao assunto... Um ca- so de desespero? De declíncio? De vaidade por náo conseguir impor ou ver vitorioso seu ponto de vista?). Nossa imprensa já está orfá, digo a imprensa escrita (exceçao há, como Forum). Lá se foi Carta Capital, que Bob Fernandes se nao me engano também fundou. Lá se foi Ana Paula Sousa, que deixou outro espaço na crítica cultural. Nao tenho mais paciéncia pra ler em 10 minutos uma revista que antigamente eu levava primeiramente hora e até dias , de- gustando, pela sua exceléncia. Ainda bem que há agora blogs como este ou o bra- silianas do Nassif.

Unknown disse...

"Vida,Curta,Vida",
Concordo. Apesar de tudo, a CartaCapital ainda é a revista mais confiável, a menos distorcedora de fatos com fins partidários. Admiro e gosto muito dos textos do Mino Carta. Contudo, no caso Battisti, penso contrariamente à revista. Creio que no Mino Carta, por ser italiano nato, aflora intrínseca facciosidade a favor das críticas do governo italiano ao Brasil.
Maria Tereza

Luna Que Se Quiebra disse...

Politica, Maria Teresa,
veja o caso da nota pra lá de diplomática sobre o pai de um dos seus colunistas, sobre o Romeu Tuma. Veja o caso do jurista midiático tb. colunista em CC (um dia desses, acho que no Terra, ou Terra Magazine ( !....) pra ter assunto o tal jurista escreveu comentário digno de revista de fofocas. Náo é estar contra a posiçao de MC e sua CC, mas a de desrespeitar uma série de juristas brasileiros - e náo só - e a dividida votaçao no próprio STF. CC, MC e WM se mostram táo arrogantes e ignoram tudo isso e batem pé. É sinal de ocaso, sim. O que lamento pq. gostava da revista, das resenhas de Ana Paula Sousa. Claro, na semana passada ou retrasada teve Wnaderley Guilherme dos Santos, em chamada de capa, coisa que nenhum outro veículo daria espaço, ou tanto assim. Mas náo dá pra "apesar de tudo" considearar que CC continua num patamar superior. A Veja náo declinou? Tudo muda, como diria Belchior e outros. Humberto Cavalcanti

Unknown disse...

"Vida, Curta, Vida",
Concordo com você, exceto insistir que, "apesar de tudo", ainda tenho esperança de que o caso Battisti "foge da curva". Julgo que, nesse caso, a naturalidade italiana de Mino Carta bateu mais forte e ele foi incoerentemente tendencioso. Acredito que a CartaCapital ultrapassará esse tropeço e não imitará o mergulho no esgoto ocorrido com a Veja. Espero.
Maria Tereza