domingo, 22 de agosto de 2010

KOSOVO: RETORNO DO COLONIALISMO



Depois do Acordo de Kumanovo, de 9 de junho de 1999, que marcou o fim de 78 dias de ataque da OTAN contra a antiga Iugoslávia, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução 1244 prevendo que a província de Kosovo continuaria a pertencer à Sérvia, mas submetida interinamente à OTAN do ponto de vista militar , e do ponto de vista civil à ONU. Desde então, militares de mais de 34 países estiveram em ação em Kosovo, envolvendo uma permanência de 17mil a 20mil soldados.

Hannes Hofbauer *

Em 44 países, ofereceu-se um bom pagamento para policiais que se disponham a trabalhar ali. Em relação ao número de funcionários civis estrangeiros, é muito difícil ter uma quantidade aproximada, pois muitos se apresentam como “voluntários“. Desse modo, nos últimos anos, a “cidade do cinema Pristina“ - capital de Kosovo -, tornou-se um quartel general sob comando estrangeiro.

A OCDE contava com 850 funcionários com a missão de colaborar na construção das chamadas “três colunas vertebrais“, de quatro propostas. Ela seria responsável pela “democratização“ e pela “formação de instituições“, incluindo a organização da polícia local. As três outras colunas são a sistema de saúde, a administração civil e o desenvolvimento econômico. Mas toda a administração padece de um problema estrutural: trata-se de uma imposição de formas políticas a partir de fora, e levando em conta interesses exteriores. Durante esse processo, a elite kosovar busca desesperadamente o seu lugar.

O filósofo de Pristina, Shkelzen Maliqi, assim vê os funcionários estrangeiros: “Todos eles são como outro povo. Eles vão de país a país, sempre ali onde se possa ganhar mais. Os direitos humanos civis são apenas um pretexto para eles saírem a busca de recursos. A sua especialidade resume-se a salários altos. Em Kosovo, isto se tornou uma grande indústria.“ Segundo diferentes fontes, desde que a UNMIK ( órgão da ONU para administrar Kosovo ) assumiu o poder até 2007, de 3 a 4 bilhões de euros foram gastos na administração civil, mas isso não ajudou muito no desenvolvimento de estruturas locais. Por isso, se diz em Pristina: “Os estrangeiros se alimentam de sua própria ajuda“, ou “eles comem o seu dinheiro“.

OS GRANDES INTERESSES

Com o fim da Iugoslávia, houve um reordenamento geopolítico nos Bálcãs. Entre as grandes potências que procuram aproveitar-se do vácuo, tendo em vista ganhos econômicos e a conquista de novas posições políticas e militares, encontram-se a Alemanha, com a União Européia, os Estados Unidos, e, segundo o caso, a França e a Rússia. A Sérvia enfraqueceu-se, o que lhe dificulta jogar um papel mais importante para além de suas fronteiras – que até 1999, incluíam a então província de Kosovo. Na verdade, a atividade da ONU procura conferir legitimidade para a atividade desempenhada pelos países estrangeiros na região, sem conseguir desfazer a idéia de que as decisões eram tomadas entre Washington, Bruxelas e Moscou. Dessa forma, as principais decisões são acordadas entre a OTAN e a União Européia.

O pano de fundo da disputa entre os kossovares – que formam 90% da população do novo Estado – e os sérvios, tem uma longa história, mas também é resultado da grave situação econômica e social local.

As bombas da OTAN não apenas destruíram a infra-estrutura do país, como contaminaram a terra com urânio enriquecido. Durante os anos 80, tampouco a ex-Iugoslávia realizou investimentos significativos em Kosovo. Já na época, o seu PIB per capta, de apenas 730 dólares ao ano, era oito vezes menor que o da Eslovênia ( 5.500 dólares americanos ); e três vezes menor que o da Sérvia ( 2.200 dólares americanos ). Entre 1950 e 1990, a diferença no desenvolvimento econômico entre Kosovo e Eslovênia dobrou. Cerca de 50% da população vive na pobreza – ou seja, tem que garantir o dia com menos de 2 euros ( cerca de 4 reais ); e 25% passa fome. Mais da metade dos habitantes está desempregada, e na maioria constitui-se de jovens que sonham viver nos Estados Unidos ou na Europa.

O economista Muhamet Mustafa, do Instituto Riinvest, descreve a década de 90 como a “década da desindustrialização“. Se em 1989, a produção industrial respondia por 46% do PIB de Kosovo , no ano da guerra, em 1999, esse índice caiu para 15%. Nos oito anos seguintes, sob a administração da UNMIK , não houve nenhum impulso para o desenvolvimento industrial. Em 2006, a parte da indústria no PIB era de apenas 17%. Isso significa que todas as instalações industriais construídas de 1950 a 1980 não produzem mais nada. É por isso que não há trabalho no país. Muhamet Mustafa acrescenta : “Há vinte anos que não se investe em nada aqui, nem em infraestrutura, nem na produção.“ Os 50 milhões de dólares que entravam em Kosovo por ano durante a década de 90 vinham da diáspora – ou seja, dos kossovares que trabalham e vivem no exterior. E até hoje a situação não mudou muito.

QUE ECONOMIA?

Desde janeiro de 2001, o euro passou a ser usado como meio de pagamento. Kosovo importa anualmente entre 10 e 20 vezes mais do que exporta. Entre 1989 e 2006, a participação industrial no PIB caiu de 47% para 17%, e o único setor que floresce é o ilegal, mais conhecido como “economia da máfia“. O país está falido.

O professor de macroeconomia da Universidade de Pristina Musa Limani – que trabalhou como vice-ministro do transporte -, critica a falta de um projeto de desenvolvimento: “As estruturas locais foram e são destruídas. Não existe nenhum tipo de defesa para o produtor local, ao contrário. A administração internacional se orienta apenas por uma visão mercantilista.“ Kosovo depende da remessa de dinheiro dos kossovares que vivem e trabalham no exterior, e para estimular o envio de dinheiro foram criadas estruturas paralelas envolvendo os impostos – essas remessas respondiam por 15% a 20% do PIB. E enquanto o argumento do “perigo sérvio“ perde força, não se vislumbra um consistente processo de reconstrução econômica. Mesmo as casas destruídas na guerra deverão ser reconstruídas com o dinheiro dos próprios kossovares.

Depois do fim da Iugoslávia, a administração estrangeira anulou todas as privatizações que haviam sido feitas. Criou-se a “Kosovo Trust Agency“ (KTA) que, sob a orientação do inglês Paul Acda, procurou vender o que sobrou das empresas locais. Diante do receio dos investidores internacionais em relação à situação política incerta, dizia-se: “O preço agora é barato, mas subirá tão logo a questão do estatuto de Kosovo seja resolvida.“

Sabe-se que a economia de guerra é um negócio sujo. Por isso, não é de admirar-se que, após os confrontos militares, a situação em Kosovo não tenha mudado muito: os mesmos agentes continuam operando ali, e muitos políticos tornaram-se homens de negócio. Além disso, a estrutura familiar local favorece a formação de clãs nos diferentes campos: no militar, na política, nos negócios. Em resumo, é muito difícil falar-se de uma democracia em tais condições. Tampouco de um Estado soberano e independente.”

FONTE: * escrito por Hannes Hofbauer, que trabalha como editor em Viena e publicou o texto na revista alemã “Ossietzky”. Tradução de Luciano C. Martorano. Republicado no porta “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=135475&id_secao=9) [mapas colocados por este blog].

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