quarta-feira, 18 de agosto de 2010

ÍNTEGRA DO DISCURSO DE LULA NA FERROVIA TRANSNORDESTINA



Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante visita ao Canteiro Industrial da Transnordestina, com transmissão simultânea da cerimônia de assinatura da ordem de início da construção do lote 1 da Ferrovia Transnordestina (trecho Missão Velha/Pecém)

Salgueiro-PE, 17 de agosto de 2010:

“Se eu for ler todos esses papéis aqui, vocês nem almoçam e nem jantam. Eu vou, eu vou ser breve, porque eu tenho um problema de horário do avião levantar voo aqui, no aeroporto e tem que estar ainda sob a luz do sol. E eu preciso, então, andar um pouco rápido.

Mas eu queria dizer para vocês que a construção desta ferrovia não é um sonho apenas de um presidente. Eu acho que era o desejo de um povo, o desejo de uma parcela deste país que mora em uma região extraordinária, na região onde o Brasil foi descoberto e que ao longo dos séculos esse povo foi ficando esquecido, a riqueza foi se desenvolvendo em outras regiões e esse povo foi praticamente relegado a cidadãos e cidadãs de segunda e terceira categoria.

Não é o presidente Lula que está falando, é o brasileiro que consegue entender as estatísticas publicadas neste país e que cansou de ver que tudo que era ruim a maioria era no Nordeste e tudo que era bom, a maioria, era nos outros lugares do país.

Onde as crianças tinham maior qualidade de estudos? Era em outra parte do país. Onde as crianças eram mais atrasadas? Era no Nordeste e no Norte do país. Onde morriam mais crianças por 100 mil nascidas? Era no Nordeste. Onde morria menos? Em outra parte do país. Qual era a região que tinha mais gente se formando em doutores e mestres? Era em outras regiões do país e menos no Nordeste. Onde se ganhava mais salário? Em outra região do país e menos no Nordeste. Havia quase uma disposição de uma parte da elite política deste país, que já tinha dado de barato que o Nordeste não precisava se desenvolver. Aqui era muito importante para exportar pedreiro e servente de pedreiro para construir casas em outras regiões do país. Ah, como tinha gente que se orgulhava de dizer: “Nordestino, ele ainda está atrasado, mas essa ponte bonita foi ele quem fez; esse prédio bonito foi ele quem fez”.

Muito bem, mas nós não nascemos apenas para ser pedreiros ou ajudantes de pedreiros, nós queremos ser engenheiros, nós queremos ser médicos, nós queremos ser profissionais qualificados e de qualidade como todos têm que ter direito neste país. E como seria possível a gente desenvolver o Nordeste se a gente não fizesse as coisas que eram óbvias e que não eram feitas? Porque o grande problema do nosso país é que os governantes não percebem que inventor e pesquisador vão para laboratório pesquisar e inventar; um presidente da República não tem que inventar, ele tem que fazer, ele tem que cuidar das coisas para a qual ele foi eleito, ele precisa cuidar do povo. Não é a palavra governar, a palavra, neste país, é cuidar. Eu quero ganhar as eleições para cuidar do meu povo, para cuidar do meu povo como uma mãe cuida do seu filho, cuidando daqueles que mais necessitam, cuidando daqueles mais frágeis, cuidando daqueles que tiveram menos apoio; é pra isso que serve o Estado. O Estado não serve para ajudar os ricos, mas sim para fazer com que os pobres ascendam de classe social e cheguem à classe média, e quanto mais o pobre evoluir, mais o rico vai ganhar dinheiro, porque vai ter mais consumidor, vai ter mais comprador, vai ter mais gente comprando carro, comprando geladeira, comprando televisão, comprando máquina de lavar roupa, comprando roupa nova, sapato, tudo o que o povo tem direito, porque o povo pobre gosta de coisa boa. Não sei quem foi que inventou que a gente não gosta de coisa boa; não sei quem foi o malandro que inventou que pobre gosta de coisa ruim.

Eu lembro que, um dia, eu estava em uma reunião de governo, há algum tempo, discutindo a liberação, a desoneração para o material da construção civil, e discute, discute, discute se vai reduzir o imposto da areia, do tijolo, da telha, do fio. Aí, eu lembro de uma coisa que eu perguntei a um companheiro: e a cerâmica e o azulejo? Aquela lajota que vai no chão do piso e o azulejo? Aí, um companheiro meu disse, Marcelo: “Não, Presidente, isso não pode desonerar, que isso é coisa de luxo. Só rico tem isso”. Eu falei: tu é um besta mesmo, tu não conhece de pobre, porque se pobre puder ele coloca azulejo até na cama, de tão bonito que a gente acha que é o azulejo.

Bem, então, o que é que nós estamos fazendo neste momento? Não é apenas a Transnordestina, de 1.720 quilômetros, que vai ligar o estado de Pernambuco ao estado do Ceará, dois portos importantes para carregar toda a riqueza produzida nesta região, passando por Eliseu Martins, no Piauí. Não é apenas isso. É que, no Nordeste, nós vamos fazer uma refinaria de 600 mil barris/dia no estado do Maranhão; vamos fazer refinaria (falha no áudio) porto de Suape, em Pernambuco; estamos fazendo uma refinaria no estado do Rio Grande do Norte, estamos fazendo uma siderúrgica em Fortaleza, estamos fazendo uma siderúrgica em Marabá, no estado do Pará. Nós não estamos fazendo alguma coisa para um estado tirando uma coisa de outro estado; nós apenas... como uma mãe faz: na hora em que a mãe senta... na hora em que a mãe coloca o filho à mesa e vai sentar para fritar os bifinhos que tem, se tiver cinco bruguelos e tiver cinco bifes, é um bifinho para cada um – e que ninguém ouse roubar o bife do outro. O que nós estamos fazendo é distribuindo esse bife em igualdade de condições para que todo estado tenha o direito de se desenvolver, para que toda região possa crescer e para que, daqui a alguns anos, o Brasil seja mais igual, o Brasil seja mais justo e o Brasil faça a compensação que tem que fazer à parte mais sofrida deste país.

Mas não pensem que é fácil fazer as coisas. Vocês sabem que a inveja é uma doença, não tem doença pior do que o olho gordo de alguém que não conseguiu fazer uma coisa, torcer contra o outro fazer. Não tem nada, nada mais desgraçado de doença do que o preconceito, do que as pessoas terem preconceito. Nós estamos fazendo no Nordeste algumas obras que não são de hoje. Eu lembro, e disse agora há pouco: eu estava no Crato, na campanha de 1989, quando eu fui para o segundo turno com o Collor, e na volta, no aviãozinho, o doutor Miguel Arraes falava assim para mim: “Ô, Lula, se você ganhar, faz a Transnordestina”. Eu nem sabia de Transnordestina. Perdi [19]89, perdi [19]94, perdi [19]98, até que, um dia, ganhei.

A Transnordestina, nós demoramos cinco anos, cinco anos para chegar ao ponto em que nós chegamos. Só eu participei de 31 reuniões, só eu. Porque quando a gente pensava que estava resolvido o problema no estado de Pernambuco, aparecia um negócio no estado do Piauí. Quando você pensava que tinha resolvido o negócio no estado do Piauí, resolvia [aparecia] um problema no estado do Ceará. Em Missão Velha, eu fui há cinco anos, tinha máquina trabalhando lá, e aí começou a surgir problema com o projeto; depois, surgir problema com licitação; depois, surgir problema com supressão vegetal; depois surgir problema com o Ministério Público; depois, surgir problema na licitação, ou seja, é um verdadeiro inferno para você concluir um projeto dessa magnitude.

Está aqui... todo mundo aqui, do estado de Pernambuco, do estado do Piauí e do estado do Ceará que participaram de reuniões, eu estou falando de 31 reuniões que eu participei, fora as dezenas e dezenas de reuniões que foram feitas com o BNDES, com o Ministério do Planejamento, com o Benjamin. Era uma coisa maluca, porque você acabava de acertar uma coisa aqui, daqui a três meses eu encontrava alguém e perguntava assim: tudo bem? “Ah, tem um problema, Presidente. O dinheiro tal não saiu”. Aí, ia lá, reunião, reunião: “Está tudo pronto, tudo pronto. Vamos começar, vamos começar”. Passavam-se três meses: quando é que nós vamos pisar no primeiro dormente? “Ah, Presidente, teve um problema de desapropriação, que o juiz parou. Está na Justiça agora”. Aí vai, vai, resolve, resolve Pernambuco, resolve Pernambuco. Tudo pronto? “Tudo pronto”. “Ah, teve problema no Piauí”.

Eu lembro da última reunião em janeiro. Em janeiro, estava tudo certo, todos os estados não tinham mais nenhum problema, não vou nem falar das brigas, não vou nem falar. Mas estava tudo certo, em janeiro, tudo certo: Pernambuco, Ceará e Piauí. Passa um tempo... problema no Judiciário do Piauí, as desapropriações não aconteceram. E quando tem problema no Judiciário, nós não podemos fazer nada; se é no Tribunal de Contas, nós não podemos fazer nada, se é... Então, é um processo... cinco anos para a gente chegar ao nível em que chegamos aqui.

Agora eu não me queixo, eu não meu queixo, porque a transposição das águas está há um século e meio, desde 1847 – eu não era nem nascido – quando Dom Pedro começou a pensar em fazer a transposição das águas, para levar água para uma parte do Rio Grande do Norte, de Pernambuco, da Paraíba e do Ceará, mais de 150 anos e não conseguiram fazer. Eu falei: nós vamos fazer essa obra. Nós vamos fazer, porque eu não tenho pescoço de carregar pote na cabeça, de carregar pote d’água na cabeça.

Quem nunca carregou pote e abre a geladeira e toma uma água geladinha, aí fala: “Para que fazer transposição para levar água? Para levar água? Leva carro-pipa”. Não, a água, para atender 12 milhões de nordestinos do semiárido, um canal de quase 700 quilômetros, e uma boa parte dele vai estar pronta, tanto no eixo Norte quanto no eixo Leste. E, se Deus quiser, a partir do ano que vem começa-se a inaugurar. E se eu puder, vou convidar vocês para dar um mergulho dentro daquela água lá. Não sei se pode, não sei se pode, mas aqui em Salgueiro tem um lugar, tem um lugar – não é, Prefeito? – que cruza a ferrovia, que cruza... O cara já está no trem, já pula, do trem mesmo já pula dentro do lago, dá uma nadadinha e vai para casa tranquilo.

E nós estamos fazendo isso... Quem é que imaginava, Fernando, a gente inaugurar o navio que nós inauguramos no Porto de Suape, um navio que não cabia aqui dentro, Benjamin, um navio que não cabia aqui dentro. E sabem quem eram os operários do navio? Não era chinês, não era japonês, eram brasileiros, cortadores de cana, que foram formados para ser soldadores e fizeram o navio, como essa menina que veio aqui agora.

Eu fui lá na Hidrelétrica Santo Antônio, que a Odebrecht está fazendo, e eu vi mulher dirigir caminhão que nem eu tinha coragem de dirigir, de tão grande. E a mulher tratava o caminhão como se fosse um folguedo, um brinquedo qualquer, tal era a competência dela.

Então, companheiros e companheiras, obviamente que eu estou com saudades. Você sempre fica, você sempre fica pensando que você poderia fazer mais. Agora, tem uma coisa que é sagrada e que ninguém vai tirar de nós. Eu perdi duas eleições porque o povo pobre deste país tinha medo de mim. Eu lembro que um dia eu estava em uma favela, eu estava em Casa Amarela, eu entrei em um barraco que não tinha nada, nada, absolutamente nada, e a mulher disse: “Eu não vou votar em você porque eu tenho medo que você tome as minhas coisas”. Eu fui para casa, cheguei em casa, falei para a Marisa: “Eu acho que eu não entendi direito, Marisa. Eu fui a uma casa de uma pessoa que não tinha nada, e ela disse que não votava em mim com medo que eu tomasse o que ela tinha”. E aí a Marisa falou para mim: “Olha, Lula, aquilo que para você não é nada, para ela era muito”.

Então, é preciso compreender, para que a gente tenha o discurso adequado. E eu sei que o povo tinha medo, porque o povo dizia o seguinte: “Eu sou um zé-ninguém, como é que eu vou votar em um zé-ninguém igual a mim? Ele não vai saber governar”. Até que o tempo foi passando, a gente foi evoluindo, a gente foi aprendendo, e vocês me deram a chance de governar este país.

O legado, o legado que vai ficar não é a quantidade de cimento, não é a quantidade de pontes, não é a quantidade de concreto ou de asfalto que nós colocamos neste país. Vai ficar um legado mais importante, que é o legado de as pessoas mais humildes deste país acreditarem que não tem ser humano inferior; é que tem ser humano que teve oportunidade e ser humano que não teve oportunidade.

Hoje, vocês confiam em mim porque vocês me veem como vocês. Eu tenho certeza, eu tenho certeza que hoje o grande legado que eu vou deixar é que vocês olham para mim e falam: “É um de nós que chegou lá, é um de nós que chegou lá e que, ao chegar lá, provou que governar é muito mais do que ter um diploma universitário”. Governar é uma coisa chamada sensibilidade (falha na gravação); governar é saber quem é que vai receber as prioridades dos recursos que o Estado cria; governar é ter coragem de conversar com um grande empresário, mas não ter vergonha de abraçar um desdentado na rua deste país, em qualquer lugar. Governar é a gente compreender que precisamos criar oportunidades para todos, e eu fico feliz porque tenho um Ministro da Educação competente. E eu, que sou o primeiro presidente da República deste país a não ter diploma universitário, já sou o presidente que mais fez universidades na história deste país e mais escolas técnicas.

Então, esse é o legado. E falo aqui, companheiros, sem presunção: podem pegar os últimos 30 anos, podem pegar, para saber se, nos últimos 30 anos, teve um Presidente que colocou no Nordeste a quantidade de dinheiro que eu coloquei em oito anos. Podem pegar, escolham! Vocês já cansaram de ver gente prometer fazer as coisas, você já cansaram. Eu nunca prometi, eu nunca prometi fazer a Transnordestina, eu nunca prometi. Eu ganhei até atestado de repúdio, porque me recusei a assumir compromisso de fazer a transposição das águas lá, em Fortaleza. Eu disse: eu vou estudar, se tiver condições, nós vamos fazer. E estamos fazendo.

Eu, em 1989... queriam que eu fosse no marco zero da Santarém- Cuiabá, para eu assumir o compromisso que eu iria fazer a Santarém-Cuiabá. Eu falei: não vou ao marco zero, porque eu não vou prometer; eu não conheço o projeto, eu não sei se tem dinheiro, por que eu vou prometer? Se alguém quiser mentir, minta. Eu não vou mentir para esse povo, porque ele está com o saco cheio de mentiras. Se tem uma coisa que nós não aguentamos mais é mentira.

Na época da política, a gente só vê gente abanando a mão para a gente, a gente só vê gente... Na época da política, Benjamin, ninguém fala mal de pobre, só fala mal de rico. Você não sabe o quanto você é xingado; você não sabe como banqueiro é odiado, mas depois que passam as eleições, quem é que vai almoçar com os governantes? São os pobres ou são os que foram xingados?

Então, é esse o legado que vai ficar. O Obama disse: “Nós podemos”, e eu digo a vocês: Nós não apenas podemos como gostamos e como queremos continuar governando este país para melhorar o Nordeste e para melhorar o Brasil.

Um abraço, que Deus abençoe todos vocês.”

FONTE: Blog do Planalto (http://blog.planalto.gov.br/mais-do-que-obras-o-grande-legado-e-a-melhora-na-autoestima-do-brasileiro/#more-16087) [imagens colocadas por este blog].

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