segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

ENTREVISTA COM SÉRGIO CABRAL (RJ)


“PMDB está bem no governo e tem que continuar”

Entrevista: Governador do Rio desautoriza insatisfações de seu partido com a aliança petista

Cabral: Pernambuco vai receber este ano de FPE mais da metade do que vamos receber de Participação Especial do Petróleo”

O governador do Rio, Sérgio Cabral é o último pemedebista a querer briga com o governo Luiz Inácio Lula da Silva, que fez do Rio o primeiro destino dos investimentos do PAC no país. O principal governador do partido desautoriza quaisquer insatisfações pemedebistas com a aliança que pretende eleger a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência. “Se temos um projeto que está dando certo e se a candidata do Lula vai dizer que vamos continuar neste projeto por que o PMDB não está satisfeito?”.

Usa o mesmo raciocínio para dizer que o PT está contemplado em seu governo e não tem por que lançar candidato próprio. Vincula-se até à indicação dos ministro petistas do Rio, Carlos Minc (Meio Ambiente) e Edson Santos (Igualdade Racial), ao governo: “O PT tem duas grandes secretarias: Meio Ambiente e Ação Social. E tem dois quadros do Estado que são ministros: Carlos Minc e Edson Santos”

Preferido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a sucessão fluminense, em detrimento do prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), o governador do Rio, Sérgio Cabral, já escolheu seu principal adversário: o ex-governador Anthony Garotinho (PR): ”Apesar de ser um sujeito com perfil psicanalítico complicado, que oscila entre a euforia e a depressão, acho que ele, nessa altura da vida, acredita que chega ao segundo turno”. No último Datafolha, divulgado na semana passada, Cabral pontuou 38% e Garotinho, 23%.

Acompanhado do vice-governador, Luiz Fernando Pezão, do secretário da Casa Civil, Regis Fichtner, a quem, brincando chama de “primeiro-ministro” e do secretário de Desenvolvimento Econômico e de Turismo, Júlio Bueno, Cabral recebeu o Valor no Palácio Laranjeiras. No cardápio, além de royalties do pré-sal e sucessão eleitoral, recuperação econômica do Estado e segurança pública. Afirmou que a polêmica estratégia do enfrentamento policial e de ocupação das favelas vai continuar.

Sobre os royalties, disse que a emenda Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), que redistribui os royalties das áreas já licitadas, abre um precedente perigoso. E lança uma provocação ao seu principal adversário no tema, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PE). ”O Fundo de Participação dos Estados (FPE) por habitante do Rio é de R$ 50 por ano, o de Pernambuco é em torno de R$ 350, no Maranhão, de R$ 450. Pernambuco vai receber este ano de FPE mais da metade que vamos receber de Participação Especial. Isso vem das empresas de Pernambuco? Não. Das empresas de São Paulo, do Rio, de Minas. A gente nunca reclamou disso porque a gente acha que tem que ter distribuição de renda mesmo, física, demográfica, espacial”.

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Valor: Como estão se delineando as candidaturas ao governo do Rio? O PT vai apoiar o senhor ou ter candidatura própria?

Sérgio Cabral:
A discussão da candidatura própria do PT no Estado é semelhante à do PMDB nacional. Tem que fazer uma avaliação sobre a visão política do partido. O PMDB, por exemplo, está satisfeito com o governo Lula? Acha que o Brasil avançou? Se acha respeitado no governo? É um partido com maior número de vereadores, de prefeitos, deputados estaduais, federais, senadores, governadores. Então vamos lançar candidato próprio? Por que, se nós temos um projeto que está dando certo e se a candidata do Lula vai dizer que vamos continuar este projeto? Mas nós temos um nome que é o Manoelzinho, ele tem 38% das pesquisas. Mas na verdade não temos o Manoelzinho e achamos que o Lula está indo muito bem. Por que sair desse barco? No plano estadual é o mesmo. O Sérgio Cabral fez um governo bacana? O Rio mudou a sua fisionomia? Tem outra agenda econômica? Social? Foi importante a integração com o governo federal? Melhorou na saúde, na educação, na infraestrutura? Se isso foi feito, por que vou lançar um candidato próprio? Só se eu tiver um candidato que estiver empatado com Sérgio Cabral, se estiver na frente, perto. Não é o caso. É esse o raciocínio.

Valor: Mas o PT reclama de falta de espaço no seu governo.

Cabral:
Isso até o PMDB reclama. O PT tem duas grandes secretarias: Meio Ambiente e Ação Social. O PT no nosso governo conseguiu espaço que nunca teve no governo federal. Ele tem dois quadros do Estado que são ministros: Carlos Minc e Edson Santos.

Valor: Como o senhor vê a demanda do PMDB pela vaga de vice?

Cabral:
O PMDB é um partido plural, com um monte de tendências. É o maior partido do Brasil. Aqui no Rio, o PMDB tem comando. E a vitória do Eduardo (Paes) reforçou muito este comando. O PMDB nunca ganhou um eleição na capital. Na verdade, só o Cesar Maia, em 92, mas ele troca de partido como troca de roupa, já esteve no PMDB, PDT, PFL. O Garotinho foi embora, se mandou, mas não levou muita gente com ele.

Valor: O ex-governador Garotinho está voltando com força?

Cabral:
Não sei o que o Garotinho vai fazer da vida. Ele sabe ler pesquisa melhor do que eu. Apesar de ser um sujeito com perfil psicanalítico complicado, que oscila entre a euforia e a depressão. Eu acho que ele, nessa altura da vida, acredita que chega ao segundo turno. Nas pesquisas, a menor diferença é de 16% e a maior, de 25%. E no segundo turno, ele sai de 22% e vai para 34% e fica por aí.

Valor: Ele é o seu principal adversário?

Cabral:
Não. Ele é sujeito com mais intenção de voto, o que a gente tem que respeitar.

Valor: Pela leitura que o senhor fez das pesquisas, haverá segundo turno para governador em 2010?

Cabral:
Depende. Tem que ver o quadro da época.

Valor: O segundo turno seria uma derrota, considerando o clima do início do seu governo?

Cabral:
Eleição e mineração só depois da apuração. Quanto mais em ano ímpar. Eleição é em ano par. Eleição só depois da convenção. Minha prioridade é governar. Não vou mudar política de ocupação das favelas, por exemplo. É uma política de estado.

Valor: O senhor acha que a questão da segurança pública baixa a sua avaliação? É o ponto mais sensível da seu governo?

Cabral:
Não. Dependendo da comunidade, pelo contrário, a população agradece. O depoimento que venho recebendo dos moradores do Pavão-Pavãozinho [ favela entre Copacabana e Ipanema, na zona sul do Rio] é de que é a primeira vez que eles estão dormindo. Quando você imaginou fazer uma operação na Cidade de Deus e prender oito pessoas sem dar um tiro?

Valor: Mas a população continua reclamando da insegurança.

Cabral:
Na área da segurança, tocamos duas medidas, uma de gestão e que o professor Falconi (Vicente Falconi do INDG) nos dá consultoria. Temos metas de redução de crimes nos batalhões e delegacias. Há quatro índices: homicídios, roubo a carro, roubo de rua e latrocínio. Se a meta for alcançada, recebe-se uma remuneração extra por isso. Todo mundo, de soldado a comandante. Já a pacificação virou uma política de Estado. Você tem que ter muita sensatez, muito bom senso. A primeira premissa é que só o policial novo, que está entrando na instituição, vai ocupar os morros. Mas eles precisam ser treinados, ter uma formação de seis meses que não pode ser comprometida. Tudo tem que ser casado com o trabalho inicial da polícia, feito pelo Bope, pelo Batalhão de Choque e pelo Core, da Polícia Civil. Isso pode demorar 5, 15, 45, 60 dias. Dependendo da complexidade, do grau técnico e bélico dos marginais.

Valor: Nesse processo de ocupação, muitos bandidos fogem?

Cabral:
Poucos. A maioria se adapta, mas os grandes chefes se mandam.

Valor: Por que o senhor avisa antes qual morro vai ocupar? Não é negativo?

Cabral:
O enfrentamento não é prioritário. A prioridade é pacificar a comunidade. Em nome de se prender três ou quatro, perde-se uma oportunidade de se pacificar uma comunidade. Isso no caso do Dona Marta e do Pavão-Pavãozinho. Estou falando de peixe pequeno. São comunidades quentes do ponto de vista do negócio, mas sem grandes bandidos.

Valor: Como o senhor escolhe as comunidades?

Cabral:
Temos um grupo que estuda as comunidades junto com a PM, que avalia as oportunidades. O drama é o tempo. O Centro de Formação de Aperfeiçoamento de Praças, o Cefap, em Sulacap, tem uma capacidade limitada de treinamento. São três mil homens formados ao longo de 2010. Teremos uma turma de 1.400 soldados se formando agora em dezembro. Parte vai para a o Pavão-Pavãozinho e outra aguarda para entrar na Tabajara (também em Copacabana, zona sul). Outra turma fica pronta em abril. Voltamos a entrar nas favelas depois do Carnaval .

Valor: Mas o ritmo não é lento?

Cabral:
Estudamos uma solução logística para aumentar a capacidade do Cefap. Em janeiro, teremos uma nova turma. Com isso, não paramos mais.

Valor: Ao todo, quantas favelas o senhor espera ocupar?

Cabral:
O Instituto Pereira Passos diz que há 1.200 favelas no Rio. Fizemos um estudo e descobrimos que 600 delas não têm importância do ponto de vista de crime. Nas outras 600, o Alemão tem 15, a Rocinha tem 14, a Maré tem 18, só para dar uma exemplo. Com isso, se entrarmos em 50 comunidades, resolvemos 90% do problema.

Valor: Mas não é simples assim, existem as que são mais perigosas.

Cabral:
Aí precisa de mais gente. Na Cidade de Deus, entramos com 150 policiais, agora são 230 porque vimos que precisávamos de mais gente. A relação policial habitante lá tem que ser maior do que a da cidade. Ali é a base, a causa maior do problema. Eu moro no Leblon. Ao lado, há o Vidigal. Eu sei que ali, a poucos metros da minha casa, há bandidos armados. As pessoas se acostumaram a viver com isso. Não se muda 40 anos em dois anos e 11 meses.

Valor: Seu carro-chefe de campanha vai ser a segurança?

Cabral:
Não. Nosso carro-chefe vai ser a gestão. Tivemos 17 anos sem fazer concurso para fiscal de renda. Imagina um Estado como o nosso, sede da UFRJ, da Coppe, da Fiocruz, da Petrobras, da Vale, do Vasco da Gama, sem fazer concurso para fiscal. É como ter uma empresa sem contratar ninguém para a área comercial neste período. Isso também aconteceu na Junta Comercial e na Emater.

Valor: Mas esta campanha não é para o povo?

Cabral:
O povão não é bobo. Ele te entende bem. Ele sabe que tudo isso é para melhorar o atendimento.

Valor: O senhor não vai usar a UPA, por exemplo, na campanha?

Cabral:
Claro. Isso é o resultado. Eu só passei de R$ 1,5 bilhão para R$ 3 bilhões o orçamento da saúde porque teve gestão. Hoje tem tomógrafo de última geração gerido e mantido por uma empresa privada terceirizada. Os carros da polícia estão novinhos. Eu acho que o povo entende tudo isso. O filho dele vai para a escola e tem ar-condicionado funcionando na sala de aula com um computador. E para isso ainda precisei fazer reforma porque as instalações elétricas estavam todas defasadas.

Valor: E o pré-sal? Tem gente dizendo que o senhor começou enfrentando o governo federal e depois mudou o discurso? O resultado das negociações satisfazem ao senhor?

Cabral:
Saiu muito melhor do que estavam querendo. A perda é relativa. É uma perda possível. Você tem 15 bilhões de barris no pós-sal. Só no pré-sal licitado você tem 30 bilhões de barris. E no que não foi licitado serão pelo menos 70 bilhões. O ótimo, 100% para a gente, seria a legislação atual. Mas o governo federal resolveu mudar o marco regulatório. Direito do governo federal. Com isso, nós perdemos uma receita muito importante, a Participação Especial. Aí houve perda. Já nos royalties queriam tirar tudo da gente, situação ridícula. Fomos para a briga.

Valor: Se a emenda Ibsen Pinheiro passar vão tirar tudo?

Cabral:
Aí é brincadeira. Como vou mandar em 513 deputados? O risco de desmoralização da aprovação de um negócio desse é tão grande, é um deboche institucional tão grande, que eu confio na Câmara. Seria muito desmoralizante. Seria desrespeitoso com o princípio federativo.

Valor: Mas os deputados que estão discutindo isso não pensam bem assim. Todas às vezes que a emenda foi retirada é porque havia risco de ser aprovada.

Cabral:
O governo tem uma preocupação conosco de não permitir maluquices como esta. Tenho percebido isto do ministro Padilha (Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais) e do presidente Lula pessoalmente. Ao mesmo tempo, ele tem um desejo de aprovar uma mensagem. Este jogo está sendo jogado de uma maneira serena e inteligente.

Valor: O senhor não acha que há muita emoção? Houve vários discursos apaixonados.

Cabral:
O problema é que eles acusam alguns municípios de usar mal os royalties, como Campos. Campos é um problema, mas não é por isso que vão punir o direito. Então eu também posso me queixar. Num estado tal do Nordeste foi feito uma barbaridade com um dinheiro do Fundo de Participação dos Estados (FPE). É um fundo criado com a riqueza do pagamento dos trabalhadores e das empresas. O FPE por habitante do Rio é de R$ 50 por ano, o de Pernambuco é em torno de R$ 350, no Maranhão, de R$ 450. Pernambuco vai receber este ano de FPE mais da metade que vamos receber de Participação Especial. Isso vem das empresas de Pernambuco? Não. Das empresas de São Paulo, do Rio, de Minas. A gente nunca reclamou disso porque a gente acha que tem que ter distribuição de renda mesmo, física, demográfica, espacial. É um precedente perigosíssimo. Se a Constituição diz que os estados produtores têm que ter uma indenização, tem que ser cumprido.

Valor: E a postura do governo federal no meio desta discussão?

Cabral:
Acho que essa discussão está muito confortável para o governo porque a boiada, a maioria burra, fica discutindo percentual. O modelo, que é bom, ninguém discute. O governo está num patamar maravilhoso. Ninguém quer saber do modelo.

Valor: A redução dos royalties afeta a dívida do Estado?

Cabral
: Não, a dívida não. Mas afeta a receita do Estado. Esse dinheiro vai para a previdência pública. O que está permitindo a gente dar um salto de qualidade na gestão. Com isso, hoje a pensão sai em meia hora. Antigamente demorava um ano.

Estamos pagando também os atrasados. É uma receita importante do Estado. Por isso eu briguei. Eu disse ao presidente, eu sou aliado de vocês, o senhor não vai encontrar ninguém mais aliado, mas não mexam com o Rio de Janeiro. O Rio já sofreu muito, perdeu a capital, foi fundido sem consultar o povo, eu não vou aceitar isso.

Valor: Mas no fim o Estado sai perdendo.

Cabral:
No entanto, é mais dinheiro que hoje. Porque vai ter mais petróleo. Porém, é menos do que a gente esperava ter. No fim, o Rio de Janeiro vai produzir mais que o Qatar.

Valor: A economia do Rio patina há muito tempo nesta fase dos 12% do PIB. Se o senhor for reeleito, qual a meta de participação no PIB para 2012?

Cabral:
Se o Brasil crescer muito, eu posso continuar com 12%, 13% sem problema.

Valor: Mas o senhor não quer mais?

Cabral:
Hoje tem um guerra fiscal institucionalizada no país. É Zona Franca, Sudam, Sudene. Se o empresário chega e diz que quer vir para o Rio, eu dou uma barriguinha, mas não dá para brigar com barba, cabelo e bigode que o governo federal dá nestas regiões. É injusto. Mas também não dá para pedir para unificar o ICMS. O governo federal deveria unificar primeiro os impostos dele. Quer fazer uma reforma tributária, juntando o ICMS, vamos pegar a salada de impostos federais, inclusive as contribuições. Até para o povo saber a concentração de tributos na União, que passa muito mais de 60%. Tem que ser didático com o povo, facilitar o contador. Faz a Lei Kandir, estoura nos estados. A CIDE, nos municípios. Não quer fazer reforma tributária? É essa a discussão. Eu topo a distribuição dos royalties, mas vamos fazer uma radiografia dos subsídios e dessa conta aí para o Brasil. Aí, é uma discussão de alto nível, séria."

FONTE: reportagem de Heloísa Magalhães, Chico Santos e Paola de Moura publicada hoje (28/12) no jornal VALOR e reproduzida no blog de Luis Favre.

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