segunda-feira, 23 de março de 2009

COMO SABEMOS?

Li ontem no jornal Folha de São Paulo o seguinte artigo de Marcelo Gleiser. O autor é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo":

“NOSSA CONSTRUÇÃO DA REALIDADE, POR SER SEMPRE FILTRADA, É INCOMPLETA”

“Como sabemos que o mundo é do jeito que é? Fácil, diria uma pessoa pragmática: basta olhar e medir. Vemos a árvore, a cadeira, a mesa; ouvimos o vento, a música, as vozes das pessoas. Sentimos o calor e o frio na nossa pele. Uma vez que essa informação sensorial é integrada pelo nosso cérebro, construímos uma concepção do real que nos permite funcionar no mundo.

Sabemos aonde ir, o que comer, o que evitar tocar; sentimos o prazer de uma boa refeição, de um abraço carinhoso. Mas e quando vamos além dos nossos sentidos, usando instrumentos para estender a nossa concepção da realidade? Não vemos galáxias a olho nu (talvez Andrômeda, em noites muito especiais) e muito menos um átomo de carbono. Como sabemos que estão lá, que existem?

Quando Galileu mostrou seu telescópio para os senadores de Veneza, muitos se recusaram a aceitar que o que viam era real. Mais recentemente, no final do século 19, o grande físico e filósofo austríaco Ernst Mach se recusava a aceitar a existência dos átomos pois estes, segundo ele, nunca poderiam ser visualizados. Mach e os senadores estavam errados.

O que se vê através dos telescópios é perfeitamente real. Captamos os fótons -as partículas de luz- emitidos (ou refletidos, no caso de planetas e luas) pelo corpo celeste. Se a fonte não emite nas faixas visíveis do espectro, ou está tão longe que não podemos captar fótons entre o vermelho e o violeta, captamos ondas de rádio ou micro-ondas, radiação eletromagnética que nossos olhos não enxergam, mas que nem por isso é menos real.

Quando elétrons pulam de órbita nos átomos, também emitem (ou absorvem) fótons, que podem ser detectados por instrumentos ou, no caso de serem visíveis, pelos nossos olhos. Os instrumentos usados no estudo dos fenômenos naturais são uma extensão dos nossos sentidos. Um dos feitos mais espetaculares da ciência é justamente essa ampliação da realidade, o ver além do visível.

A situação se complica quando a complexidade do fenômeno nos força a filtrar dados, selecionando apenas uma parte do que ocorre. Nossos cérebros fazem isso constantemente, o que chamamos de "foco"; caso contrário, seríamos inundados a tal ponto por sons e imagens que não conseguiríamos fazer nada. Quando olhamos para uma estrela a olho nu ou com um telescópio óptico, vemos apenas parte dela, o que ela emite no visível. Uma visão completa da estrela incorporaria suas emissões no infravermelho, no ultravioleta, no raio X etc. A consequência desse fato é simples, mas profunda: nossa construção da realidade, por ser sempre filtrada, é incompleta. Sabemos apenas aquilo que medimos.

No caso das partículas elementares, o problema é ainda mais grave. O gigantesco acelerador LHC, por exemplo, que deve entrar em funcionamento dentro de alguns meses na Suíça, criará em torno de 600 milhões de colisões entre partículas por segundo. Essas colisões geram 700 megabytes de dados por segundo, mais de 10 petabytes por ano. Um petabyte equivale a mil trilhões de bytes (1015), 1 milhão de discos rígidos com 1 gigabyte cada.

Para tornar a pesquisa viável, os grupos de cientistas filtram os dados, selecionando eventos designados "interessantes". Essa seleção, por sua vez, é baseada em teorias atuais que especulam sobre o que existe além do que já conhecemos. Apesar de as teorias serem sólidas, elas só serão confirmadas pelos experimentos. Existe o risco de que fenômenos inesperados, não-previstos pelas teorias, sejam eliminados pela filtragem dos dados.

Nesse caso, nossas próprias teorias limitam o que sabemos sobre o mundo - uma conclusão um tanto paradoxal."

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