quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O INIMIGO (DO PAQUISTÃO) NÃO É A ÍNDIA

O site do jornal inglês International Herald Tribune publicou ontem o seguinte texto postado em Nova Déli (Índia), que li no UOL em tradução de Deborah Weinberg.

Os autores são Maharaja Krishna Rasgotra, presidente do Observer Research Foundation, grupo de estudos em Nova Déli, secretário de relações exteriores da Índia, e Stanley A. Weiss, diretor da organização Washington Business Executives for National Security.

“Agora ficou claro que o caminho para a estabilidade no Afeganistão passa pelo Paquistão - especificamente pelas áreas tribais que o Taleban e os combatentes da Al Qaeda usam como santuário. Menos compreendido é o caminho para a estabilidade das áreas tribais e pela região que também atravessa a Índia.

Temores antigos com relação à Índia, com a qual o Paquistão travou três guerras desde a partição de 1947, estão na base de grande parte do comportamento perigoso paquistanês de hoje. O objetivo antigo de Islamabad de alcançar "profundidade estratégica" com um Afeganistão complacente ainda resiste em partes de seu exército e da poderosa agência de espionagem, a Inter-Services Intelligence, que dão apoio aos militantes islâmicos que agem contra o Afeganistão.

Mesmo hoje, quando esses militantes voltam suas armas contra o governo paquistanês e as forças paquistanesas estão engajadas em uma ofensiva há muito devida nas áreas tribais, a maior parte do exército paquistanês continua empregada no Leste - na direção da Índia e da região disputada da Cachemira.

Resultado? Quando as autoridades americanas recentemente pressionaram o chefe das forças armadas paquistanesas, Ashfaq Kayani, para ser mais agressivo nas áreas tribais, ele alegou que não tinha capacidade militar para confrontar vários redutos de insurgentes ao mesmo tempo, de acordo com a "Newsweek".

Os temores de Islamabad em relação à Índia são superados apenas por seu medo diante da possibilidade de uma desintegração étnica. Muitas de suas etnias, reunidas em uma colcha de retalhos como em muitos outros Estados pós-coloniais, nunca aceitaram a dominação punjabi do governo e dos militares que, diferentemente da Índia, impediu a emergência de uma estrutura federal de unidades autônomas mais ou menos simétricas.

De fato, uma das maiores preocupações de Islamabad é que as dezenas de milhões de pashtuns dos dois lados da fronteira com o Afeganistão possam realizar seus sonhos antigos de um Pashtunistão independente.

Assim, Islamabad entende mal os esforços indianos para promover a segurança e o desenvolvimento econômico no Afeganistão, inclusive o programa de reconstrução de US$ 1 bilhão (em torno de R$ 2 bilhões) oferecido por Nova Déli como tentativa de isolar o Paquistão.

A resposta dos militantes paquistaneses? O atentado suicida mortal deste verão contra a embaixada indiana de Cabul.

Se os antigos temores paquistaneses em relação à Índia são a chave para compreender o comportamento paquistanês no Afeganistão, então remover esses temores é a chave para mudar esse comportamento.

Enquanto poder econômico e político dominante da região, a Índia deve tomar a dianteira. Nova Déli deve continuar a assegurar Islamabad de que o único objetivo da Índia é um Afeganistão verdadeiramente independente, unido, estável e livre de drogas.

Especificamente, a Índia pode oferecer garantias de segurança e explorar reduções mútuas de forças na fronteira Leste do Paquistão. A Índia pode abrir suas fronteiras unilateralmente, inclusive a Linha de Controle que divide a Caxemira, ao livre comércio.

De sua parte, Islamabad precisa reconhecer que um Afeganistão estável a Oeste e uma Índia amigável a Leste ajudarão a impedir uma implosão catastrófica no Paquistão.

Finalmente seguro em sua fronteira oriental com a Índia, o Paquistão deve reforçar sua recente ofensiva e empregar tropas suficientes no Oeste para garantir a fronteira com o Afeganistão, e depois investir extensivamente na educação e desenvolvimento das regiões tribais.

Islamabad deve colocar um fim ao financiamento, armamento, treinamento e infiltração de terroristas na Cachemira e em outras partes da Índia. Isso pavimentaria o caminho para outros passos de reforço da confiança - visitas de altos líderes militares, comércio livre e joint ventures.

Os EUA poderiam ajudar a aplacar os temores de Islamabad endossando as garantias indianas da integridade da fronteira Leste do Paquistão. Mais amplamente, Washington deveria apoiar a frágil democracia do Paquistão concentrando seu auxílio no desenvolvimento social e econômico em vez de militar.

Com o Paquistão finalmente seguro de que a Índia não é mais uma ameaça, a Índia poderia então considerar um passo verdadeiramente histórico, digno de um poder grande e em ascensão - contribuir com forças militares para estabilizar Afeganistão.

Tal emprego de tropas exigiria um pedido conjunto de Cabul, Washington e da ONU. As equipes de treinamento indianas poderiam ter um papel crítico no fortalecimento do exército e da polícia afegãos.

A reconciliação entre o Paquistão e a Índia e a presença de forças indianas no Afeganistão podem parecer fantasias. Mas a volta de um governo civil em Islamabad dá novas esperanças.

Se for possível concentrar a atenção na ameaça terrorista real e crescente na região - não nas imaginadas por Islamabad - então o temor e o ódio no Paquistão finalmente darão espaço para a confiança e a cooperação no Afeganistão.”

Nenhum comentário: