sábado, 28 de junho de 2008

“LIVRE COMÉRCIO”: MERCADORIAS PODEM PASSAR LIVREMENTE (*), HUMANOS NÃO

(*) Onde se lê "livremente", leia-se "livremente, mas somente no sentido dos países ricos para os pobres, não o inverso"

O blog de Emir Sader, que li no site “Agência Carta Maior”, postou hoje um artigo que vale a pena lê-lo. Trata da hipocrisia na pregação de conceitos como “liberdade”, “globalização”, “democracia”, “livre comércio”, que são propalados pelos países ricos, fortes e desenvolvidos, mas que, ao menor sinal de necessidade de alguma flexibilização que não lhes interesse, logo surgem medidas duras, praticamente nazistas, contra os mais fracos e pobres.

Antes de reproduzir aqui o texto de Emir Sader, repito o pequeno resumo biográfico do autor com dados que obtive na internet:

“Emir Sader nasceu em São Paulo, no ano de 1943. Formou-se em Filosofia na Universidade de São Paulo. Fez Mestrado em Filosofia Política e Doutorado em Ciência Política, ambos na Universidade de São Paulo. Na mesma universidade, trabalhou como professor, primeiro de filosofia, depois de ciência política. Foi, ainda, pesquisador do Centro de Estudos Sócio Econômicos da Universidade do Chile, professor de Política na UNICAMP e coordenador do Curso de Especialização em Políticas Sociais na Faculdade de Serviço Social da UERJ. Atualmente dirige o Laboratório de Políticas Públicas na UERJ, onde é professor de sociologia.”

Vejamos o artigo de Emir Sader:

AQUI E LÁ

“Um cartaz em uma manifestação de imigrantes equatorianos – eles são mais de 700 mil, chegados depois da dolarização da moeda do país -, lutando pela sua legalização, dizia: “Estamos aqui, porque vocês estiveram lá.” Afirmação sintética sobre a relação entre colonizadores e colonizados, entre globalizadores e globalizados.

A chamada Diretiva da vergonha – assim caracterizada pela carta de Evo Morales pedindo aos governos europeus para não aprová-la – reflete uma virada geral para a direita no continente, de tal forma que, ao mesmo tempo em que foi aprovada a duríssima legislação sobre os imigrantes, a duração da jornada de trabalho foi aumentada para além das 48 horas semanais, incluídas as horas extras. Agora a jornada deve ser negociada diretamente entre patrões e trabalhadores, podendo chegar até a 78 horas – mais do que o dobro das 35 horas aprovadas há duas décadas na França.

Em algumas regiões, a polícia tem o poder de deter a qualquer pessoa por 42 dias sem acusações. Alguns serviços secretos estão autorizados a violar, sem autorização judicial, os correios eletrônicos. Os imigrantes sem documentos podem ser detidos por até 18 meses. As crianças podem ser enviadas a países distintos de sua origem. O governo italiano mandou ao Parlamento projeto de lei que pode castigar com até 4 anos de prisão a imigrantes ilegais. Autorizou, também, a polícia a deter e expulsar aos ciganos. A França fixou cotas de estrangeiros a ser expulsos cada ano, numero ascendente conforme passam os anos.

A Inglaterra aumenta de 28 a 42 dias a detenção sem acusações a suspeitos de terrorismo. A França autoriza o interrogatório de suspeitos durante 6 dias sem a intervenção de advogados e as normas que controlam os aeroportos se tornaram secretas.

A Espanha, mesmo sendo o país que regularizou a situação de centenas de milhares de estrangeiros, apresenta, no entanto, o caso mais evidente de discriminação. Por um lado, tolera os latino-americanos – brancos, de fala espanhola, religiões ocidentais -, a ponto de tê-los recrutado para fazer a guerra no Iraque e no Afeganistão, com uniformes espanhóis. Mas rejeita os africanos, que chegam diariamente a suas fronteiras, especialmente desde o Marrocos, o Senegal e a Mauritânia. Somente neste ano 12.260 chegaram e foram rechaçados.

Os que foram legalizados, o foram quando a economia espanhola crescia, a população espanhola diminuía e ninguém queria fazer trabalhos desqualificados. Mas agora que chega a recessão, fecham-se as portas para os imigrantes.

“A mensagem européia é clara – diz um colunista espanhol: “imigrantes, não, muito obrigado; petróleo, passe, por favor”. Em outras palavras, livre comércio, mas numa sociedade que considera aos seres humanos mercadorias, estes – ou estas – são excluídos(as) da lei geral. As mercadorias podem e devem circular livremente, os seres humanos, não.

Os seres humanos – neste caso, imigrantes – estão acompanhados das idéias. O norte globalizador envia sistematicamente suas interpretações do mundo – via grande mídia, via internet, via cinema, editoras, etc. – para o sul globalizado, que não tem como difundir suas visões do mundo, visto desde a periferia.

Não é necessário recordar que sempre aceitamos aos imigrantes europeus, sem nenhuma política de cotas.

Mas as reações são imediatas. Uma vez, Garcia Marquez anunciou que não mais permitiria a venda dos seus livros na Espanha, se passasse a ser solicitado visto para os colombianos. Agora, Hugo Chávez anuncia que deixará de vender petróleo aos países que aplicarem a Diretiva da vergonha. O Mercosul condenou expressamente a medida. Imigrantes sem papéis invadiram centros que deveriam atendê-los em Paris. Marroquinos se aproveitaram que todos os espanhóis estavam assistindo à cobrança de pênaltis, em que a seleção do seu país derrotou à italiana, para saltar os muros da fronteira em grande quantidade.

A fronteira entre direita e esquerda nunca é tão clara quanto no que se refere à política com os imigrantes. Porque eles estiveram aqui, há tantos dentre nós por lá.“

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